Da geração de diretores que surgiram nos Anos 90, David Fincher merecidamente está entre os mais populares. Depois de um começo de carreira dirigindo videoclipes de Madonna e outros artistas, o cineasta recebeu o blockbuster “Alien³” em suas mãos. Embora este não tenha sido ruim como apontaram, foi apenas com “Se7en” que Fincher chegou ao estrelato, dirigindo vários filmes bem avaliados na sequência. Acho que não é a toa que de todo seu trabalho ainda estou para encontrar algo que eu não goste. No entanto, depois de muitos anos revi “Se7en” e falhei em encontrar a qualidade que tantas pessoas apontaram. Encontrei um filme bom, mas ainda um pouco longe da opinião popular.
William Somerset (Morgan Freeman) é um detetive da divisão de homicídios que está cansado do trabalho, da cidade, da vida. A cidade nunca foi boa, mas conseguiu chegar num nível tão baixo que até mesmo Somerset, que vive nela há anos, decidiu abandoná-la. Em sua última semana de trabalho, o Detetive Mills (Brad Pitt) é transferido para seu departamento. Empolgado e cheio de boas intenções, sendo ao mesmo tempo impulsivo e de temperamento curto, Mills entra de cabeça na investigação de um assassinato bizarro enquanto Somerset só quer que a semana acabe para abraçar sua aposentadoria.
Numa coisa “Se7en” acerta: o clima pesado da história captura muito bem o espírito Neo-Noir. Neste caso, o “Neo” do termo é mais explícito porque o “Noir” surge quase exclusivamente pelo enredo. A visão de mundo é pessimista e dura, a qual também é refletida no modo como os personagens encaram suas vidas. O personagem de Morgan Freeman é bom no que faz, mas já desistiu de tudo. Para ele não há muito propósito em dar duro para fazer a diferença quando um passeio de táxi se torna uma visão de camarote para outro assassinato na calçada. Ele não é mais jovem. Seus sonhos? Guardados na última gaveta junto com as coisas que ele prefere esquecer. Então chega um novo policial no departamento, praticamente o seu oposto. Este fez questão de ser transferido para aquela cidade — o pior lugar do país — para fazer valer seu talento como policial e é talvez o único a ter feito isso. O resto da força provavelmente amaldiçoa a chefia por ter colocado eles ali.
Nos seus últimos dias de trabalho, Somerset ainda tenta fazer o que pode, mesmo que não se colocando totalmente na tarefa. Porém nem o menor dos esforços passa despercebido quando até o pouco empenho do detetive é mal visto por seus companheiros. A cidade é um reduto da escória mundial, a força policial é relaxada e incompetente, o crime tem poder… É uma lista completa de como ser descrente na visão de mundo. De Noir mesmo não há nada no quesito estético ou mesmo na música. “Se7en” deixa para impressionar o espectador com sua trama e como ela se encaixa perfeitamente no mundo criado. O roteiro não se limita na hora de impressionar o espectador e mostra-se imune a clichês otimistas. Por vezes isso se dá pelo choque, como é visto nos vários assassinatos; por vezes é pela simples quebra de expectativa. Colocar Brad Pitt, o rostinho bonito mais famoso de Hollywood, num filme que não poderia ligar menos para aparência é uma escolha audaciosa, ainda que não totalmente sensata.
De um jeito mais obscuro, tentam fazer aqui mais ou menos o que foi feito em “Rain Man“: colocam um ator popular por ser boa pinta no papel de um jovem impulsivo e às vezes imprudente. Na obra prima de Barry Levinson a idéia era criar um contraste entre o jovem passional e a racionalidade daqueles que o opunham; aqui a lógica é similar, colocando o veterano experiente e cansado diante do jovem empolgado. Mas se por um lado Morgan Freeman impressiona através da sutileza de seu personagem misterioso, por outro Brad Pitt fica mal na hora de tentar igualar a grandeza de Freeman com constantes nervos à flor da pele. Como se quisesse provar algo, Pitt levanta seu tom de voz sem mais e age como um cara imaturo mais intensamente que o necessário, tornando-se frequentemente um ponto baixo distrativo. Em teoria, ele faz o mesmo que Tom Cruise em “Rain Man“, só que sem o carisma e a naturalidade. O mesmo pode ser dito da trilha sonora nada sutil de Howard Shore. Diferente de uma presença leve, porém constante, que se exalta pontualmente para acentuar um sentimento ou evento da história, a música mostra-se exagerada nessa tarefa. Parece que ela procura competir com as imagens e ser mais impactante que estas, chegando a ser notavelmente incômoda até em cenas de ação — nas quais deveria imperar a adrenalina, não o mau gosto.
Numa segunda assistida, esperava gostar ao menos tanto quanto na época que vi pela primeira vez. Mas pensando bem, acho que nunca considerei este longa de David Fincher uma obra prima como outros espectadores. De qualquer forma, “Se7en” permanece um Neo-Noir de enredo e universo impressionantes, infelizmente contando também com alguns defeitos. A única coisa que fico sem entender é por que há um 7 no meio do título do filme. Tudo bem, a idéia é fazer alusão aos sete pecados capitais, mas na linguagem Leet — ou 1337 — da internet o número 7 não é e nunca foi representante da letra V. Talvez o nome do filme seja “Seten” e todos fomos enganados, nunca saberemos.