“La Vita È Bella” é um ótimo filme. Sua abordagem leve de assuntos pesados é singular num gênero de tantas representações de brutalidade e tragédia, o que chamou a atenção mesmo não agradando todos. Seu sucesso foi tanto que rendeu 3 vitórias no Oscar de 1999: Melhor Filme Estrangeiro, Melhor Trilha Sonora e, curiosamente, Melhor Ator. No Brasil essa popularidade não foi tão positiva, afinal “Central do Brasil” se deu mal contra seu competidor italiano. Mesmo sem ter assistido ao longa nacional, acho que é difícil dizer que qualquer um dos prêmios foi injusto. Nem atuação, nem competência deixam a desejar frente os clássicos que a Itália produziu no passado.
Guido (Roberto Benigni) se muda para a cidade grande para começar uma nova vida. Isso inclui arranjar um trabalho, uma linda garota para casar e eventualmente abrir uma livraria, que é seu sonho. Nem tudo acontece de imediato, mas o rapaz mostra persistência e aos poucos conquista a vida que sempre quis. Com o fascismo dominando a política, o exército e até a educação dos italianos, a situação dos judeus vivendo no país se complica; Guido e sua família acabam perseguidos e enviados para um campo de concentração. Para poupar seu filho Giosuè (Giorgio Cantarini) dos horrores da guerra, Guido finge que tudo é um grande jogo.
Sem dúvida o holocausto é um assunto que deve ser levado a sério. Afinal de contas, milhões de pessoas foram tratadas como lixo e mortas aos montes como gado. O retrato dessa condição em filmes como “A Lista de Schindler” é dramático e sórdido, os judeus são mostrados numa posição humilhante e quase inacreditável. É até difícil imaginar que algo do tipo aconteceu há não mais que um século atrás. “La Vita È Bella” não vê essa realidade com um olhar pesado. Isso incomodou alguns críticos e parte do público. mas nada disso significa que os eventos são desqualificados. Em termos de gênero, a Comédia realmente está ali; só que com um porém: sua abordagem não é satírica. A idéia está longe desrespeitar a tragédia de alguma forma. De fato escondem as cenas mais explícitas — como as câmaras de gás, as pilhas de corpos e os fuzilamentos — embora isso não seja uma amenização. É apenas a direção deixando claro o que acontece sem explicitar o ato em si.
A razão para essa abordagem diferente está centrada na figura do filho do protagonista. Ele é apenas uma criança que mal conhece a terra onde pisa e que sem mais é levado a um mundo que milhões tiveram o desprazer de conhecer. Se já é complicado acreditar que algo realmente absurdo como o holocausto aconteceu, fica ainda pior quando uma criança está envolvida. Toda palhaçada, brincadeira e humor existe pelo simples propósito de livrar um garoto de passar fome, de ser mal tratado e eventualmente despachado numa câmara de gás com os inválidos. Guido diz a ele que tudo aquilo é um jogo. Se Giosuè ficar escondido e não reclamar ganhará mais pontos, vencendo os outros judeus que também querem o prêmio. Indo sempre pelas beiradas, o personagem abre mão de seu sofrimento para preservar a inocência do filho numa realidade que não valoriza nem mesmo a vida humana. Se isto é desrespeitoso para alguém, apenas lamento. Para mim não há proposta mais nobre.
Já o responsável pela abordagem leve é o próprio Roberto Benigni, diretor e ator principal. Detentor de uma personalidade animada dentro e fora das telas, ele simplesmente se faz notar em todas suas cenas. Enquanto para alguns não há tempo ruim, para ele não existe outro estado de espírito que não o de êxtase. Por isso mesmo entendo quem não gostou de seu personagem. Sou do grupo que acorda com um mau humor lendário, enquanto Benigni é aquele que diz “Bom Dia!” numa segunda com a mesma empolgação de um “Boa Noite!” numa sexta. O mesmo tipo de pessoa que me faria fazer algo que me arrependeria, basicamente. Apesar dos pesares, consegui gostar de seu personagem e até me envolver com ele. Nos melhores momentos há reflexos da fantasia cômica de Federico Fellini, revivida também pela música de Nicola Piovani; situações bizarras que de tão excêntricas funcionam sem ter que dar explicações. Além disso, o resultado de tanto entusiasmo dá um forte sentimento de recompensa no final das contas; todo aquele show tem enfim um propósito maior. Nos piores momentos a atuação de Benigni é exagerada demais pro meu gosto, destoando de forma negativa do que é tido como normal. Essa é a natureza do personagem, sim, só que nem sempre ela parece se encaixar bem; da mesma forma que alguém super animado numa segunda de manhã simplesmente não faz sentido.
Ainda teria de assistir a “Central do Brasil” para dizer quem merecia mais ganhar, mas posso dizer uma coisa com tranquilidade: “La Vita È Bella” não está abaixo de seu reconhecimento. É um olhar único sobre uma história que já foi contada tantas vezes. Aos que depreciam por qualquer motivo — por levar o Oscar ou por ser diferente — só peço que dêem mais uma chance. Este é um dos raros casos que não escondem o carinho daqueles que o fizeram acontecer.