“Argo” é conhecido por muitos motivos. Ter Ben Affleck novamente na direção é um deles e desta vez ele ganha bem mais destaque que em seus trabalhos anteriores: “Gone Baby Gone” e “The Town”. Então vieram as 7 indicações ao Oscar e as 3 vitórias — incluindo Melhor Filme — que trouxeram a popularidade não completamente positiva. Com mais exposição vem um público mais crítico, o qual não amou e louvou este filme como a Academia. De acordo com estes, tudo não passa de uma grande propaganda dos feitos da águia da liberdade em terras estrangeiras, algo como uma grande manobra nacionalista. Parece um tanto exagerado. Até existe uma margem para tais comentários, mas muito pouco da qualidade sofre com essas divergências entre ficção e realidade.
Uma série de manobras políticas envolvendo o ocidente no Irã resulta em tensões e manifestações públicas contra os americanos. Em 1979 isso culmina na invasão da embaixada dos Estados Unidos por uma multidão furiosa. 60 funcionários tornam-se reféns enquanto outros 6 dão um jeito de escapar e se esconder na cidade. Uma missão de resgate é colocada em ação assim que as autoridades americanas ficam sabendo: Tony Mendez (Ben Affleck), um agente da CIA, vai ao Irã para extrair os reféns. Seu plano? Fingir que eles estão lá procurando locais para gravar um filme de ficção científica curiosamente chamado “Argo”.
Como tudo que aborda assuntos polêmicos e faz sucesso, “Argo” consegue sua própria cota de polêmica. Ao que me parece, o principal argumento contra ele é a diferença entre o que é mostrado na tela e o que aconteceu de verdade. Daí surge o ódio que aponta o suposto caráter propagandista como a razão da vitória no Oscar. Assim como em “Braveheart“, outro filme criticado por inconsistências histórias, acredito que mudar as coisas não seja o problema aqui. Parte do processo de criar um roteiro baseado em fatos ou material já existente envolve o processo de adaptação. Claro, existem adaptações ruins. Não é porque algumas mudanças se fazem necessárias que tudo torna-se válido. No entanto, é importante separar o que é projeção do espectador e o que é de fato acerto ou falha do longa.
Como uma história, como um roteiro, realmente não enxergo nenhum problema grave. Por exemplo, toda a tensão dos minutos finais seria inexistente porque nada daquilo aconteceu. E qual a graça num clímax sem nada de relevante? Nenhuma, até porque não seria um clímax sem eventos grandes no centro de tudo. Esta é uma sequência tem função e posição tão evidentes que sua conclusão fica um tanto previsível. Além disso, ela é completamente ficcional, fato que torna fácil confundir a razão daquelas reclamações. Faz todo o sentido criticar “Argo”, contanto que seja pelas razões certas. Ao meu ver, a história é apresentada de forma clara e até imparcial. Nos olhos de quem não conhecia os eventos reais não é automático enxergar essa parcialidade para o lado americano, afinal de contas os próprios momentos iniciais são dedicados para contextualizar o lado iraniano do conflito. De resto, pouco me importa qual refém dormiu onde e quando. Este é o tipo de coisa que poucos elogiariam se estivesse presente, mas que hoje é criticada por conta de uma insatisfação com o vencedor do Oscar. Quanto a isso, a concorrência certamente apresentou para todos os gostos; o que também significa que qualquer ganhador receberia duras críticas dos outros. Havia “Django Unchained para os fãs de Tarantino, “Lincoln” aos apreciadores de Spielberg e até “Les Misérables” para quem sentia saudade de um musical na premiação. Não vi todos os indicados, mas posso dizer que o que vi em “Argo” não me pareceu material de “Melhor Filme”.
Isso também não quer dizer que a obra de Ben Affleck seja um desastre. Pelo contrário, é uma história engajante, bem dirigida e com mais de um momento de sucesso. Primeiramente, foi uma surpresa pra mim como usaram a fachada de uma produção cinematográfica para sustentar a operação toda. Até vão um pouco longe demais nisso — a conclusão do arco parece descartar muito do desenvolvimento — mas sem danos grandes. O lado bom de investir pesado nesse plano é que dois personagens carismáticos surgem dali, um produtor e um especialista em maquiagem. Seus minutos de tela não são muitos e conseguem ser impactantes mesmo assim; neles está o humor que falta numa trama séria além da mágica de um diálogo perspicaz. Do outro lado do mundo, tensão e suspense tomam conta sem deixar muito espaço para coisas fora da missão. Por mais que este seja o grande foco daquele grupo de pessoas, planejar e executar são duas coisas bem distantes. Entre a calma e a tormenta há uma grande margem para complicações e problemas, muitas destas dispostas de forma que colocar o plano em ação é mais uma tensão constante que um meio para um fim. A graça não está resumida a como tudo é planejado.
O único problema é que justamente algumas destas complicações são um pouco… vulgares? O clímax, por exemplo, funciona sem problemas, mas parece estar tão bem bolado que a audiência já esperava algo do tipo. Então vem a parte de não usar várias coisas que foram preparadas lá no início. Não parece tanto um lance de sorte dos fugitivos quanto um acontecimento muito conveniente para se livrar de um grande problema. Não é um filme exímio nem algo para ganhar um Oscar, mas “Argo” tem suas qualidades e conta uma história interessante, influenciada pela CIA ou não.