Matias Piñero é um dos dois cineastas homenageados pelo 5º Olhar de Cinema, representando a parte mais moderna do evento. No lado mais clássico há Luiz Sérgio Person, brasileiro que dirigiu 5 filmes entre os Anos 60 e 70. Um conceito comum nos trabalhos de Piñero é colocar um grupo de jovens como o centro da história, outro é escrever seus personagens como atores ensaiando Wlliam Shakespeare. De suas cinco obras, quatro estrelam um grupo de amigos e três usam Shakespeare. “La Princesa de Francia” mantém essa tendência ao criar uma narrativa que mistura a leitura de uma obra clássica, a trama da obra e a vida dos personagens com toques de excentricidade um pouco surrealistas.
Victor (Julián Larquier) é um artista que passou um tempo no México e recentemente voltou para Buenos Aires. Enquanto estava fora, manteve seu relacionamento com Paula (Agustina Muñoz), mas quando ele chega na Argentina não tem a chance de vê-la imediatamente. O que parece um problema não é dor de cabeça para ele, que tem um caso com outra mulher, nem para ela, que também mantém um amante. Victor reúne sua equipe antiga e ensaia para sua nova peça de rádio/internet: a adaptação de “Trabalhos de Amor Perdidos”, de Shakespeare. O tempo de trabalho, no entanto, vai além do que a vaga descreve quando os atores revisitam seus passados em busca de amores perdidos.
Mesmo que não seja um filme que me causou uma impressão extraordinárias, devo dizer que assistir a “La Princesa de Francia” foi uma experiência gostosa. O roteiro em si está longe da perfeição e tem seus defeitos. No entanto, essas falhas são como etapas num fluxo de criatividade que infelizmente não funcionam; ao contrário de artifícios que se propõem objetivamente a algo, não chegam lá e ficam com seu fracasso mais claro e feio. É como curtir o processo um pouco melhor por tudo fluir tão naturalmente. Mesmo assim, o resultado fica abaixo da média em termos de qualidade, tornando a história confusa e dificultando a localização do espectador na trama pouco complexa. Daí surge um problema: apostar na simplicidade do enredo e supor que ela funcionará também em outros aspectos. Este é um dos erros mais severos que Matias Piñero comete.
Talvez pela história tratar de um grupo de amigos trabalhando juntos, talvez não, mas tive a impressão que a produção se divertiu fazendo este filme. Tudo flui como se fosse um dia de trabalho no melhor emprego do mundo. Por um lado isso é bom, pois dá uma certa aliviada em alguns deslizes, como visto anteriormente. Em contrapartida, isso significa certo desleixo, se posso dizer, da parte do roteiro em relação a seus personagens. Em termos de trama, não há muitas complicações, Piñero prefere usar seu elenco para desenvolver a história — neste caso um grupo inteiro de amigos. Sendo assim, é inevitável se incomodar com “La Princesa de Francia” quando tão pouca atenção é dada a introdução e caracterização de tantos personagens. Todo e qualquer desenvolvimento está na esfera de relações: como a traição de um afeta o outro e assim por diante. Só fica difícil se importar com os eventos quando o espectador mal sabe quem é quem. Falam que a Paula é namorada do Victor enquanto ele sai com outra mulher que nem lembro o nome. No fim acabam sendo relações e ações vazias, sem significado para um espectador que não foi bem introduzido àquele mundo.
Então vem a parte boa: a criatividade do diretor e roteirista Matias Piñero quando ela funciona. As cenas iniciais já dão uma boa idéia do que vem pela frente; neste caso, uma narrativa que brinca com as leis da lógica sem acabar com o entendimento geral de quem assiste. Numa sequência interessante de cenas, um mesmo acontecimento é repetido com personagens diferentes. Uma garota quer falar com um conhecido seu e conversa com outra pessoa para pedir o contato; na próxima cena, essa última pessoa muda e a os eventos tomam um rumo levemente diferente. Após a quarta pessoa, as coisas param de se repetir e engrenam, quase como se na roleta da sorte uma sequência de eventos fosse finalmente escolhida. Num primeiro momento, o espectador fica com uma grande interrogação, mas ela dura pouco quando a história volta a seguir frente e deixa aquele experimento como apenas uma extravagância bem vinda. Outro dos momentos bons é o fato da história se repetir mais do que literalmente: o próprio conto de Shakespeare tem reflexos na vida daquele grupo de amigos. Eles abraçam a proposta de participar da peça e dão tudo de si numa outra grande cena, na qual o grupo todo grava uma cena da peça. Ironicamente, eles não fazem idéia de que suas palavras estão descrevendo suas próprias vidas nos últimos tempos.
Infelizmente, não vi os outros filmes de Matias Piñero para afirmar algo sobre sua carreira inteira, mas “La Princesa de Francia” mostrou que ele é um artista com muito potencial. Nos visuais, tanto esteticamente como na escolha dos planos, ele tem uma ótima noção do que faz. Já falando em roteiro, nota-se que existem boas idéias ali, embora sua proposta de ser econômico com os fatos da história vá um pouco longe demais — o longa tem apenas 67 minutos — deixando um necessário desenvolvimento de fora.