Dá para saber que há um problema quando o público sai de um filme de ficção falando que gostou do documentário que acabou de ver. Ou o problema está no espectador, ou na obra. De qualquer forma, com certeza algo está errado. “Zud” realmente tem cara de documentário, não vou negar, mas se nem assistindo as pessoas identificaram que aquilo era uma história, então talvez a culpa esteja mais do lado da produção do que do espectador, que absorve o que lhe é apresentado. Indo mais longe, poderia dizer que fazer filmes de um jeito parecido — como esse — está na moda, o que pode ter um fundo de verdade.
“Zud” é uma história que se passa nos estepes da Mongólia, onde o clima leva a sobrevivência ao limite. Os seres humanos ainda conseguem se virar, mas os animais de criação sofrem com as intensas nevascas. Muitos bichos morrem antes de dar retorno financeiro e a situação aperta, levando o jovem filho da família a ajudar seu pai como pode. Quando eles encontram um bom cavalo selvagem, decidem que ele pode ser a chave para seus problemas. Cabe ao garoto domar tal cavalo e vencer uma corrida regional que está por vir.
Mas qual é esse jeito de fazer cinema que está na moda? Pode ser só uma pequena possibilidade, mas me impressiona como cineastas independentes tendem a trabalhar com poucos diálogos e trilha sonora, com uma esteticamente impecáveis e seguindo poucos princípios do cinema tradicional. Por um lado isso é bom, pois evidencia uma tendência de contar a história com imagens no lugar de diálogos, além de mostrar o cuidado que estes tem com o visual de suas obras. Por outro lado pode ser uma tendência fatal no que se refere a fazer um bom filme, ou seja, contar uma boa história.
Talvez seja exatamente por isso que alguns tenham achado que este é um documentário. O modo como a câmera se posiciona naquele ambiente está mais para um agente passivo que observa a vida em seu estado natural do que para um ponto de vista que favorece a narrativa. Neste quesito está, inclusive, um ponto que me incomoda: a fotografia não dá a mesma atenção vista nos visuais ao lado mais técnico deste aspecto. Em termos mais simples, não conseguem gravar imagens agradáveis de forma competente. Uma insistência em planos longos combinada com a pobreza de recurso não gera bons resultados, tornando cenas que poderiam ser executadas tradicionalmente com cortes em algo desnecessariamente confuso. Pior do que isso é a câmera eternamente trêmula até mesmo em planos fixos, que fica especialmente notável nos planos gerais quando os limites do quadro falham em permanecer estáticos. Um tripé nunca fez tanta falta.
Já em termos de roteiro, há novamente outra ambiguidade. A trama por si é interessante e consegue se virar muito bem com poucos diálogos e uma ausência total de trilha sonora. O pouco falado é apenas o essencial para compreender o que se passa na história e, ainda que esta seja prejudicada pela fotografia, funciona em sua maior parte. A abordagem característica de documentário, curiosamente, não afeta a progressão da história e até ajuda, de certa forma. Como o roteiro não desenvolve seus personagens a ponto de fazer o espectador se importar com eles, a diretora Marta Minorowicz adota uma posição mais neutra para dar um toque realista aos eventos. Prejudica a representação visual dos eventos, como mencionado, mas pelo menos não é uma decisão exclusivamente negativa. É só no final que as coisas ficam realmente feias, onde as escolhas da produção deixam de lamber as próprias feridas e apenas se juntam para entregar uma experiência incompleta. A seleção dos eventos da história é boa o bastante para manter o espectador acordado — ainda que não engajado — e tem seus pontos fortes em cenas pontuais, nas quais conseguem combinar a beleza das imagens com um propósito para a trama. No entanto, esta falta de investimento no espectador por parte da história eventualmente retorna como uma inversão de papéis: quem assiste deixa de investir sua atenção em algo que não preza por seu tempo. Na falta de um clímax potente, a audiência tem seu próprio ponto de virada; o interesse simplesmente morre depois de que uma conclusão satisfatória é negada a quem assistie.
“Zud” não é um filme sem sucessos. Sua proposta pouco tradicional tinha tudo para ser uma experiência cinematográfica diferenciada e até rende alguns resultados interessantes, porém muitas dessas decisões possuem lados negativos. O problema propriamente dito surge quando a ânsia pela inovação afeta o bom julgamento, resultando em um filme pouco engajante, embora não exatamente ruim.