O kit de imprensa sobre “Operation Avalanche” pode até dizer que o gênero é Documentário, mas basta uma olhada rápida para ver que este é um genuíno Mockumentary. Qual a diferença? Para começar, os eventos apresentados aqui não são reais, apenas o produto da mais pura ficção gravada no formato de documentário para efeito cômico. Este é o segundo trabalho do diretor, ator e roteirista canadense Matt Johnson, que aqui apresenta um ponto de vista criativo e cômico sobre um dos eventos mais marcantes da história da humanidade. Deixem a seriedade das teorias da conspiração para o YouTube, o lado engraçado delas é muito mais interessante.
Em tempos de Guerra Fria, os Estados Unidos apostam a maior corrida de sua história: quem conquista o espaço antes. As primeiras vitórias foram da Rússia com o Sputnik, o primeiro satélite artificial lançado, e Iuri Gagarin, o primeiro homem a viajar pelo espaço. Mais do que qualquer coisa, esses eventos foram o pontapé que faltava para os Estados Unidos correrem atrás de seu próprio programa espacial. John F. Kennedy prometeu em 1962 que seu país pousaria na lua até o final da década e a nação acreditou. Ao mesmo tempo, uma equipe de agentes da CIA é enviada para investigar a NASA e procurar um possível espião, mas o que eles encontram resulta numa das maiores conspirações de todos os tempos: Neil Armstrong e o salto gigantesco para a humanidade.
Este é o tipo de evento tão grande e bombástico que qualquer tipo de contestação com um pequeno indício de verdade já causa um grande tumulto. O pouso na lua supostamente aconteceu em 20 de Julho de 1969, isso quer dizer que são cerca de 47 anos de pessoas gastando a ponta dos dedos escrevendo teorias da conspiração sobre o evento e falando sério, ainda por cima. Não sou eu que vou contestar qualquer coisa, deixo isso para os interessados. Felizmente, um desses teve a idéia de fazer um filme satirizando o que milhares de pessoas gastaram horas fazendo. Esta pessoa é Matt Johnson. Inicialmente, “Operation Avalanche” parece ser muitas coisas, menos o que é de verdade. Dá a impressão de ser apenas outra obra movida pelo prazer de trabalhar com equipamento antigo e pelo gosto por filmes de espião da década de 60. Curiosamente, sua obra é exatamente isso e muito mais ao mesmo tempo, é um trabalho que combina essas duas paixões numa história com tanto estilo quanto substância.
Em termos mais técnicos esta idéia funciona perfeitamente. A direção no estilo de filmagem encontrada – found footage, em inglês – é um exemplo da técnica sendo muito bem utilizada, certamente um ponto positivo num histórico de tantos exemplos péssimos. Os movimentos de câmera apontam para câmeras de mão e uma época em que a Steadicam ainda não era realidade. Estes são acompanhados de imagens características de filmes em celulóide e aquele visual imagens com imperfeições, que junto da direção criam uma estética visual invejável. Unindo tudo isso estão os dois protagonistas, agentes da CIA que na verdade entendem mais sobre cinema que espionagem. Eles são encarregados do departamento audiovisual da agência e usam vídeos para promover operações e coisas do tipo. Na apresentação de um de seus trabalhos eles propõem a idéia que deslancha uma trama de comédia, fatos reais e até um suspense. Esse é o quesito em que “Operation Avalanche” acerta melhor. A história possui um caráter bem sério, mas o conteúdo é claramente uma sátira bem dosada de uma teoria popular; é um filme que incorpora a essência de um Mockumentary sem se reduzir a isso. Com uma história que não se limita, este longa nunca se deixa prender a apenas um artifício para para envolver o espectador; nunca há predominância da comédia sobre o suspense, do real sobre a ficção. Moderação e boa dosagem destes elementos são cruciais para que exista um clima de entonação versátil.
Toda e qualquer imagem que o espectador vê é tratada como produto do que os personagens gravam, ou seja, os dois protagonistas levam a história para frente enquanto um cinegrafista, que também é agente da CIA, grava as imagens mostradas ao público. A idéia por si é, até certo ponto, um bom toque de criatividade de Matt Johnson. O roteiro inclusive consegue o feito impressionante de trabalhar com o cinegrafista-personagem, usando-o como mais que uma justificativa para o formato do filme. Personagens interagem com ele, tornando sua presença um fator pouco passivo na trama. A câmera balançando e os movimentos pouco delicados, mas profissionais a ponto de mostrar a perícia de Johnson, são bem justificados pela proposta de haver um personagem gravando aquilo. No entanto, chega um ponto em que essa escolha não faz sentido algum. Evito dar detalhes para não estragar o enredo, mas seguindo as regras estabelecidas pelo próprio roteiro — especificamente pelo plano de fundo da trama — não há nada que dê lógica à presença de um cara com uma câmera ali. Claro, no fim essa decisão não estraga o desenvolvimento da história e, de certo modo, funciona porque o roteiro não negligencia sua presença, porém reprova no teste de realidade ficcional estabelecido pelo próprio filme.
É mais ou menos o que acontece com “Adaptation“, embora não exatamente igual: agarram-se a uma idéia interessante em detrimento da própria obra. Como dito, não é como se a proposta seja um desastre, ainda há o cuidado para que ela seja bem inserida no roteiro. Basicamente, perdem a qualidade, mas não perdem a piada — ou neste caso, oportunidade de inovar um elemento cinematográfico.