Se “Grease” é a representação perfeita dos primeiros álbuns dos “Beach Boys”, posso dizer com tranquilidade que “Two-Lane Blacktop” não está muito longe. O primeiro romantiza o cenário californiano da época: carros envenenados, corridas, romances de verão, praia e surfe. O outro já pega um pouco mais o lado realista do que significa o carro e a corrida num sentido muito até mais filosófico. Talvez não seja surpresa que Dennis Wilson, baterista e membro fundador dos “Beach Boys”, seja um dos protagonistas. Mesmo que seus talentos como ator não sejam exatamente brilhantes, ele fez parte daquele meio em sua música e em sua vida.
Nessa história, Dennis Wilson é o mecânico, James Taylor é o motorista, Laurie Bird é a garota e Warren Oates é GTO. Nomes estranhos? Com certeza, mas como diria Mr. Big em “Live and Let Die”: “Names are for tombstones, baby!”. O mecânico e o motorista são companheiros que viajam pelo país em busca de aventura, vencendo corridas e vivendo a vida num Chevrolet One-Fifty. No meio do caminho, eles encontram a garota — que pega uma carona sem destino específico — e GTO, um cara chamado assim por conta do Pontiac GTO que dirige. Após se encontrarem algumas vezes na estrada, eles decidem apostar uma grande corrida até Washington D.C. O vencedor ganha o carro do outro.
Ao contrário do que pode se pensar, não é a corrida que realmente importa. Assim como os nomes, considerados meros rótulos, a ação é deixada de lado por uma abordagem mais semântico. Procuram explorar o que há por trás deste mundo de gasolina e borracha queimada, um sentido além do senso comum. É comum associar carros envenenados com adrenalina, estilo e até ostentação, mas será esse o resumo de tudo ou há realmente algo além nisso tudo? É difícil ver como “Two-Lane Blacktop” pode ter seu enredo alavancado por uma corrida sem focar na ação. De alguma forma, ele consegue evitar isso. Mesmo nos momentos em que o filme dá espaço para a corrida em si não há muita adrenalina. Para os personagens aquilo é um estilo de vida, é mais do que se exibir para olhos curiosos.
“Two-Lane Blacktop” é frequentemente associado a “Easy Rider” por ser um road movie da mesma época. Este, por sua vez é um dos filmes que alavancou o movimento New Hollywood — caracterizado por uma certa quebra da norma até então vigente dos estúdios. Ambos andam de mãos dadas com a contracultura, aquilo que vai contra a corrente sob um propósito e deixa de lado a rebeldia gratuita. Não apenas num contexto cinematográfico, pois a própria sociedade passava por suas mudanças; são filmes que refletem o modo como a própria sociedade se organizava. A aposta deste longa é mostrar que há um lado além do que é conhecido popularmente; não como um documentário ou de maneira expositiva, mas criando uma história para representar tudo isso. É o tipo de filme que não satisfaz o entusiasta por carros só porque mostra várias máquinas clássicas, elas não tem espaço aqui.
Criar um contraste entre duas visões é o grande ponto deste longa e usar metáforas sua grande arma. Os quatro personagens principais não tem nomes. Por quê? Não importa. A maioria não tem exatamente uma personalidade, apenas uma função na trama que não é tanto ser agentes de seus próprios destinos, mas representar um ideal. Por um lado isto é bom, pois, metaforicamente, todos mostram bem qual seu propósito ali; em contrapartida acaba limitando o que poderiam ser personagens mais profundos, que talvez passariam a mensagem ainda mais claramente. James Taylor não faz muito além de filosofar sobre a vida, manter uma expressão séria e dirigir o carro; Dennis Wilson é um pouco mais animado, embora também se limite a abrir o capô do carro e falar de mecânica. Já Warren Oates é um respiro bem vindo de personalidade para o roteiro. Curiosamente, ele é justamente o personagem que serve de contraponto para tudo o que o filme pinta, a figura que representa tudo que a contra-cultura supostamente critica. Ao contrário de Wilson e Taylor, que só fazem sua parte e adicionam pouco ao que é prometido na premissa, Oates tem caráter. Ele pode não ser o cara com os melhores ideais ou o mais legal, mas certamente mostra que suas visões supostamente bitoladas também não param no senso comum. Através de seu discurso ele parece ser o maior tonto de todos os tempos, o que não é uma percepção exatamente errada inicialmente. Mais para frente a bobagem passa a ganhar forma, dando a entender que ele não é superficial como parecia. O que ele é, então? Não há como definir. Só sei que a incógnita que ele cria consegue despertar o interesse a ponto de estabelecer empatia.
É difícil afirmar que “Two-Lane Blacktop” quer atacar ou criticar alguém. O personagem de Oates até parece ser o objeto das críticas inicialmente, mas depois mostra que as coisas não são tão claras assim. Talvez a falta de informação e aprofundamento sejam os alvos aqui — o falar de algo sem saber do que está falando — uma vez que até mesmo o sujeito que trata aquela filosofia automobilística como ostentação mostra ser mais do que parece. Sendo assim, não posso deixar de notar como a profundidade de um personagem faz falta nos outros. Se o contraste era algo tão enraizado no roteiro, poderiam ter escrito melhor estes indivíduos ou escolhido atores, em vez de uma dupla de músicos populares. Pelo menos eles cumprem seu papel de estabelecer metáfora, o que para a trama funcionar já é o bastante.
1 comment
O drama representa acima de tudo liberdade ,viver fora do sistema de uma forma única sem preocupar com opiniões ! Um movie Road espetacular onde classe social e títulos são menosprezado por James Taylor o motorista e seu amigo mecânico .Onde o que importa é viver o hoje sem preocupar com o amanhã fazendo o que gosta , dirigir sem destino seu V8.