Quando vi que “White Heat” era estrelado pelo mesmo James Cagney de “The Public Enemy” fiquei um tanto surpreso — um deles é de 1949 e o outro de 1931. Foi só depois que soube que o ator teve uma extensa carreira, que durou até a década de 80 e teve algumas ótimas atuações mesmo depois de mais velho. Com 50 anos, Cagney mostra que uma delas sem dúvida está neste longa-metragem, frequentemente colocada entre as melhores de sua carreira. Enquanto o filme em si tenha seus defeitos, a interpretação do ator certamente está entre as coisas que deixam esta experiência realmente interessante.
O filme logo coloca o espectador no meio de negócios obscuros quando um roubo de trem dá início a trama. Balas vem e vão conforme a gangue de Cody Jarett (James Cagney) foge com uma boa quantia de dinheiro. No entanto, a situação que segue não é exatamente tranquila: a polícia está alerta a qualquer detalhe para descobrir os responsáveis pelo crime. Para livrar sua cara, Jarett decide se entregar por um crime de seu passado e cumprir uma pequena pena até a poeira baixar. Mas para ele a cadeia não significa esperar sentado. O meliante levemente psicótico segue com seu próximo plano de dentro da cela sem saber que a polícia está bem próxima do que acha.
Obras de gênero — aquelas que têm características mais visíveis de uma categoria — frequentemente são associadas à simples reprodução e falta de criatividade, então é sempre uma boa surpresa ver artistas tentarem variar uma fórmula clássica para surpreender o espectador ou simplesmente tentar algo novo. Com isso, acabei pensando em classificar algumas variações do Noir clássico com apenas uma palavra: há melodrama para “Mildred Pierce“, roubo para “Kansas City Confidential” e Hollywood para “Sunset Blvd.“. Já para “White Heat” a palavra-chave com certeza é insanidade. Loucura, fúria, insanidade e ira todas definem bem este Noir apropriadamente chamado de “Fúria Sanguinária” no Brasil. Se por um lado muitos dos elementos tradicionais do Noir aparecem aqui de forma manjada e até um pouco apagada, em contrapartida há um foco mais psicológico em cima do protagonista e da trama em geral, de certo modo.
No centro disso está James Cagney como o protagonista: um homem complicado, pavio curto e totalmente dependente da figura de sua mãe. Dela ele tem sua benção, de seu pai ele pegou a maldição da loucura, uma sombra que está sempre na espreita e ataca com toda a força por meio de dores de cabeças intensas. No resto do tempo ele é apenas um indivíduos desagradável, tanto que não é exagero dizer que Cody é o mau elemento num grupo de pessoas que matam e roubam para viver. A resposta para tornar um individuo detestável num personagem bom é simples: coloque um bom ator para encarnar aquele bloco de imperfeições e o entretenimento está garantido. Por mais que pareça, seu personagem não é só um doido varrido bem interpretado.
A noção de loucura deste longa vai além e captura as nuances que pintam Cody Jarett como aquele cara que por pouco consegue se misturar na sociedade. Sua ligação com a mãe é quase infantil, enquanto seu jeito padrão é no mínimo antissocial; uma postura seguir a outra quase imediatamente — ele ir de indefeso a macho alfa — torna o personagem único entre clichês e um clássico por ser tão bem manuseado. Cagney não só faz sua parte mas também salva o filme, pois ele é um daqueles elementos que fazem o filme se distinguir perante outras histórias similares. Como mencionado anteriormente, há pelo menos um Noir que tem o roubo como palavra-chave, então só poderia ser um personagem quase completamente fora de si para tirar “White Heat” do patamar de filmes comuns.
Este é uma daquelas obras que são bem feitas, uma conquista técnica, além de boas, referente a qualidade. A maioria dos aspectos é executada com a qualidade que só as mãos de vários artistas poderia entregar, então criticar algo não é simples como apontar falhas na direção ou no roteiro, por exemplo. Onde está o erro então? É difícil dizer, mas a impressão que tive enquanto assistia é que já tinha visto quase tudo aquilo antes. Não se conhecia detalhes específicos, como o final, porém era fácil dizer em qual momento as coisas iam dar errado, onde seria o infame ponto de virada para aquele grupo de criminosos. Procurando outros atrativos, me decepcionei novamente com a femme fatale. Virginia Mayo, a esposa de Cody Jarett, não está necessariamente em má forma, mas sua personagem está bem abaixo de outras mulheres fortes do gênero. Ela interpreta uma moça que não parece ter a mínima noção de qual o dia da semana, quem dirá ter algum tipo de presença nos eventos da trama como uma Phillys Dietrichson. Ela simplesmente não tem o mesmo poder ou transmite a confiança de um personagem esperto.
Foram nos pequenos detalhes, os diferenciais que encontrei a salvação para esta obra no fim das contas: um personagem psicótico, a imprevisibilidade de seus atos, uma mãe protetora dos crimes do filho e a tensão entre o personagem policial e o protagonista. Em poucas palavras, “White Heat” é exatamente o que foi dito antes: uma trama sem muitos diferenciais e até um tanto manjada, mas que se salva por causa das minúcias. Sem dúvida alguma James Cagney é o maior responsável por isso, uma vez que sua interpretação facilmente coloca seu personagem entre os melhores personagens do Noir. Não diria que é um filme obrigatório para os fãs do gênero, porém dificilmente vai decepcionar quem der uma chance.