Expectativa é algo engraçado. Há quem diga que ela interfere muito na hora de formar uma opinião e eu até concordo. Contudo, não acho que é uma matemática tão simples como pintam. Não é sempre que uma análise negativa faz com que o leitor ache o filme em questão pior, ele pode muito bem baixar as expectativas e gostar mais, não? No caso de “It Happened One Night” não esperava muita coisa, ou melhor dizendo, uma surpresa positiva não estava em minha mente. Assistindo ao filme vi que ele não deixa espaço para decepção ao contar uma história carismática e cheia de pequenas curiosidades ao seu redor.
Ellie Andrews (Claudette Colbert) é uma filhinha de papai sem tamanho, uma verdadeira rebelde sem causa que tem como objetivo de vida ficar insatisfeita com seu pai diariamente. Ele só quer que ela seja feliz, mas acha que conseguirá isso controlando a vida dela, seja anulando seus casamentos ou tentando mantê-la próxima de seu olhar atento. Eventualmente ela dá um jeito de fugir novamente e chegar na rodoviária mais próxima para ir a Nova York, onde seu marido a aguarda. Ela só não contava com a presença de Peter Warne (Clark Gable) no ônibus, um jornalista meio ranzinza que precisa de uma história e tenta ajudá-la enquanto colhe material para os jornais.
Quando soube que esta obra era de Frank Capra fiquei um pouco menos empolgado. Depois de assistir a duas obras suas e não me surpreender muito achei que “It Happened One Night” seria mais ou menos a mesma coisa: uma historinha legal, porém forçadamente feliz. Um dos poucos atrativos era saber que Clark Gable fazia parte do elenco, escolha que dificilmente poderia dar errado. O ator entrega uma performance encantadora como o protagonista, um cara singular no sentido mais puro da palavra. Ele não é exatamente galante nem se preocupa em manter essa imagem, pois não é muito econômico com suas patadas — quase sempre apimentadas com um toque de humor sarcástico. Ellie, a personagem de Claudette Colbert, contracena quase o filme todo com ele e começa como apenas uma garota mimada e chata. Ela nunca precisou colocar seu coração nas coisas para conseguir o que quer, então simplesmente toma tudo na vida como certo. Uns puxões de orelha depois e uma relação curiosa se desenvolve de um jeito que não fica muito escrachado, uma química talvez tão única quanto a personalidade dos dois.
Esse é um ótimo exemplo de filme que mistura dois gêneros sem nunca ficar muito de um lado. Ellie precisa de Peter para chegar a Nova York, mas todos sabem que uma hora ou outra eles vão acabar se envolvendo. Considerando que a viagem compõe a maior parte da trama, é fácil apontar a relação entre os dois personagens como um elemento crucial para a trama. No entanto, quão chato seria esse filme se ele se passasse o tempo todo dentro de um ônibus ou de um carro? Deve haver alguma coisa durante essa viagem que torne tudo mais interessante. Estes são os momentos de Clark Gable. Todo seu sarcasmo com um pé na frustração cria alguns dos melhores momentos do filme, tornando um simples diálogo entre um motorista de ônibus e um passageiro num verdadeiro rodeio verbal. Sempre que as coisas estão caminhando para algo meloso vem uma invertida para tirar o foco do romance, ao mesmo tempo que quando os eventos ameaçam ficar cômicos, de tão improváveis, a relação entre os dois protagonistas caminha um pouco.
Vendo dessa forma, talvez não seja surpresa que “It Happened One Night” tenha influenciado tanta coisa ao longo dos anos. A mencionada cena do ônibus pode ser comparada, por exemplo, a uma discussão entre passageiro e cobrador de um trem em “Mad Men“; enquanto um dos personagens de desenho animado mais famosos da história foi assumidamente baseado pelo protagonista deste longa. Chamado de Bugs Bunny nos EUA e de Pernalonga no Brasil, o coelho solta seu “Ehh, what’s up, doc?” (O que que há velhinho?) sempre que pode. De onde isso poderia sair? O protagonista de Gable arranja cenouras para comer em certo momento, fala rápido e é chamado de Doc por outro cara. Até mesmo aquele clichê de mostrar a perna para pedir carona saiu daqui, então não acho exagero nenhum dizer que este longa realmente é um festival de clássicos instantâneos. São raros os momentos em que o espectador se pega entediado ou desinteressado; sempre há uma fala ou evento inesperado para eternizar o ciclo de quebra de expectativa e não criar um momento sequer de pouco entretenimento.
Surpreendentemente, este foi o melhor filme de Frank Capra até então. Não esperava que fosse, em primeiro lugar por ter me decepcionado um pouco com outras obras suas, em segundo porque fui demorar para saber que “It Happened One Night” era dele. No fim das contas, a história não foi otimista demais nem teve um clímax que forçadamente muda a entonação da história, pelo contrário, ela mantém perfeitamente um clima leve enquanto viaja entre a Comédia e o Romance. Definitivamente recomendado para aqueles que gostariam de conhecer Clark Gable além de “…E o Vento Levou”.