Nunca fui muito fã da idéia do Cinema ser algo mais que uma experiência audiovisual. Cinemas 4D tentam mudar um pouco esse paradigma com cadeiras que vibram, mexem, esquentam, esfriam, soltam água e até cheiros, mas acho que a moda nunca pegou muito bem. No entanto, “Jean-Baptiste, o Cheirador de Mundos”, digo, “Perfume: The Story of a Murderer” me deixou um tanto curioso sobre como seria ver o filme numa sala que proporcione os mesmos cheiros mostrados na trama. O título dá a dica, já a história deixa o espectador na vontade quando mostra fragrâncias que só são tão vivas na imaginação de poetas e sonhadores.
Jean-Baptiste Grenouille (Ben Whishaw) nasceu em um dos piores lugares possíveis: na lama imunda de uma feira popular de Paris. A cidade possui um fedor característico, tanto que as pessoas nem o notam direito; mas em nenhum lugar esse cheiro é tão terrível quanto na peixaria da feira, bem onde o protagonista nasceu. Talvez esse seja o motivo para ele ter nascido com um dos olfatos mais aguçados de todos os tempos; ele não sabia falar aos 5 anos de idade, mas conseguia distinguir dezenove cheiros diferentes num mesmo ambiente. Já em sua adolescência ele descobre o cheiro pelo qual fica maravilhado, um perfume de mulher, e entra numa jornada obsessiva para tentar reproduzir essa fragrância.
A procura do protagonista por um cheiro tão único que ele mal pode descrever é definitivamente a parte boa do filme. Nunca fui um cara de me empolgar muito com cheiros, diferente das pessoas que compram dezenas de perfumes e sabem qual é melhor para cada ocasião. Claro, não há como não gostar do aroma de coisas tipo bacon fritando e talvez por isso seja difícil para qualquer um resistir à tentação de querer descobrir os tantos cheiros mostrados aqui, é algo tão reforçado que uma hora ou outra o interesse surge. Com exceção da Direção de Arte, responsável pela criação de figurinos, cenários e escolhas de ambientes, acredito que acabem aqui os sucessos de “Perfume: The Story of a Murderer”. Paris e Grasse são reconstruídas belamente — especialmente a última por seu caráter de cidade do interior incorporar paisagens em sua composição — e dão um certo charme a todo o clima de França e seus perfumes. São uma maravilha para os olhos, sem dúvida, embora não salvem o filme de seus erros.
O mais explícito destes é o uso da narração para descrever absolutamente tudo na história, das ações mínimas aos pensamentos íntimos. Este é um exemplo bem claro de quando a narração estraga o material em que está presente, exatamente como tantos roteiristas criticam. De fato o voice over adiciona detalhes normalmente não mostrados nas imagens, mas chega um ponto em que o espectador simplesmente para e se pergunta se tanta coisa de fora não é falha da obra em incorporar aquilo nas imagens. Chega a ficar esquisita a quantidade de coisas faladas pelo narrador que não estão nem perto de serem comunicadas nas imagens e sons, como quando o protagonista entra numa caverna e a filosofia começa. É dito que ali o protagonista acreditou ter achado um lugar quase totalmente desprovido de cheiros, nada além do aroma tranquilo de pedras mortas; um lugar sagrado onde ele poderia ponderar sobre sua própria existência. De tudo isso a única coisa realmente notável é a parte da pedra morta. De resto, não há uma pista sequer que aponte para uma ponderação existencial, uma qualidade sagrada ou para a falta de cheiros. A linguagem usada reflete uma escrita extremamente poética, a qual, se não bem usada, pode acarretar num clima pretensioso, especialmente quando o ator em cena não ajuda na hora de transmitir estes vários significados.
Ben Whishaw como o protagonista entrega uma interpretação incrivelmente inexpressiva e sem graça; ele simplesmente cede sua imagem ao personagem sem entrar no papel ou demonstrar qualquer tipo de emoção. Tudo bem que Jean-Baptiste é claramente perturbado — ele não fala muito e não é exatamente um extrovertido — mas isso não significa que ele deva ser uma casca vazia sem nenhuma característica interessante que faça o espectador se envolver com ele. A única coisa que o diferencia é seu olfato extremamente aguçado e nem isso vinga; o sentido fortíssimo frequentemente resulta em momentos poéticos no estilo daquele da caverna, que aqui se revelam de forma ainda mais absurda. O personagem sente cheiros como ninguém, tudo bem; agora, como diabos ele consegue sentir o cheiro de ovas de sapo submersas numa lagoa cheia de outros cheiros não sei dizer. É triste ver pontos tão positivos e tão negativos juntos no mesmo roteiro. Há toda a parte da premissa interessante — a obsessão pelo cheiro perfeito — ao mesmo tempo que existem outros detalhes que simplesmente fazem o que podem para destruir essa parte boa, como tentar romantizar demais eventos de pouca expressão ou simplesmente fazer algumas coisas acontecer da forma mais aleatória possível, com pouco ou nenhum significado para a história.
Sinceramente, esperava um pouco mais de “Perfume: The Story of a Murderer”; admito que o filme pareceu muito mais atraente quando o recomendaram para mim que quando bati os olhos nele. Um protagonista fraco, um ator que não faz muito pelo personagem, uma narração extremamente explicativa e um roteiro que acerta tanto quanto erra tornam uma experiência que prometia muito em algo simplesmente passável.