“Stalag 17” não é o filme mais famoso de Billy Wilder nem é o melhor. A razão principal pela qual ele é lembrado é o Oscar dado a William Holden, o único de sua carreira entre três indicações. Para mim esta obra é um grande pesar no meu coração por ser a pior obra do diretor das que vi. Não exatamente ruim — até porque em termos de nota não fica muito abaixo de outras — mas certamente tem menos brilho que filmes como “Witness for the Prosecution“. A pulga atrás da orelha não está ali por falta de qualidade ou incompetência, é mais por uma falta de brilho, algum elemento que seja o carro chefe da obra — como um enredo forte, diálogos ácidos ou protagonistas icônicos.
Em termos de plano de fundo este longa é parecido com “La Grande Illusion“: é outro filme de prisioneiros de guerra com um diretor austro-húngaro no papel de um excêntrico oficial alemão. A diferença está no detalhes, pois esta é uma história de segunda guerra e coloca o foco em sargentos americanos. Os prisioneiros do campo de concentração Stalag 17 são dispostos em grandes alojamentos, num deles estão vários sargentos americanos que foram capturados em combate, assim como os personagens principais da história. Dois dos prisioneiros planejam fugir, mas seu esquema dá errado quando soldados alemães os esperam do outro lado da cerca. O plano estava perfeito, não havia como dar errado. Talvez a pergunta não seja tanto qual o deslize, e sim quem foi o culpado pelo fracasso. A desconfiança é plantada e o principal suspeito é o Sargento J.J. Sefton (William Holden), um rapaz que tem mais privilégios que o prisioneiro comum por ser hábil na arte da negociação.
Talvez os livros de história tenham acertado ao ressaltar esse filme por causa da atuação de Holden, é uma das poucas coisas que são realmente chamativas. Não diria que foi a interpretação mais comovente de sua carreira — essa está em “Network” — nem a mais merecedora de um Oscar, até porque seu personagem é um tanto recluso nessa história, tornando as oportunidades de brilhar um pouco mais escassas — e consequentemente mais impactantes. Ainda assim ele se sobressai perante os outros personagens não por ser o mais interessante, mas por ter o melhor ator por trás do papel. O Sargento J.J. Sefton é um cara de poucas palavras, ele prefere usar o cérebro e falar apenas o necessário para não se comprometer. No longo prazo isso traz a ele coisas como charutos, cigarros, bebida e a desconfiança de seus colegas de alojamento. Ele é acusado quase imediatamente após a morte dos dois fugitivos e não faz muita questão de se defender, ele prefere manter suas palavras para si e de vez em quando alfinetar com sarcasmo aqueles que o incomodam. Holden consegue representar a misteriosa qualidade do silêncio evitando a ociosidade, explodindo se a ocasião pedir sem nunca perder a eterna aura de introversão de seu personagem.
Nos momentos em que ele não está em cena são os outros prisioneiros que chamam a atenção, o que significa a maior parte do filme. O oficial responsável pelo alojamento mantém um bom relacionamento com os detentos e frequentemente faz piada com eles, assim matando um pouco daquela imagem estereotipada do alemão tirano. Logo o espectador se amacia com a idéia de “Stalag 17”: não é um filme sério. O elenco de prisioneiros estabelece um tom leve e cômico através de chacotas entre si e bobeiras do dia a dia. Vestindo-se de mulher ou destilando álcool de cascas de batata os personagens quebram a atmosfera daquele contexto opressor tão odiado por Wilder. Não é a toa, muitos parentes do cineasta sofreram nos campos de concentração e ele próprio fugiu para os Estados Unidos sem saber falar inglês direito para ganhar a vida no Cinema. Tudo é bacana e entretém até certo ponto pela execução não deixar a desejar. É depois de um tempo que senti que as coisas não estavam funcionando tão bem em termos de história e roteiro.
De forma alguma vou crucificar o principal atrativo de “Stalag 17”, pois personagens como Animal e o carteiro são bons demais para caírem na desgraça junto com outras ressalvas minhas. São eles que dão vida a maior parte deste filme e é só porque fazem suas graças tão bem que o filme se sustenta. No entanto, seus papéis são secundários, coadjuvantes de uma história maior sobre desconfiança e mistério, que é onde o protagonista exerce um papel central. Considerando os acertos dos coadjuvantes isoladamente, é notável que tudo é bem executado e divertido; o pecado está no fato deles ficarem meio soltos em relação a trama principal. O diretor critica abertamente o nazismo e o regime autoritário dos campos de concentração através do humor, mas falta algo, aquele fundo de verdade ácido por trás de uma piada exagerada que torna a risada em um reflexo de genialidade. A tarefa de transmitir esse sentimento deveria ter sido do filme, pois ligar os pontos fica fácil depois de uma pesquisa rápida. Não só isso, muito tempo é gasto nessa parte bem humorada e ela rouba o foco — e talvez o cuidado e atenção de Wilder — da trama principal. O suspense da investigação, o querer saber quem é o delator do grupo é manuseado de forma rasa, sem criar nenhuma tensão. Parece que Billy Wilder literalmente esqueceu deste lado da história e presumiu que o mistério falaria por si, como se a premissa fosse boa a ponto de não precisar da atenção do roteirista.
No fim das contas as coisas ainda funcionam. “Stalag 17” está longe de ser inconsistente. É um punhado de idéias, temas e personagens bons que poderiam ter sido melhor amarrados se houvesse um foco maior na proposta; na trama principal sobre quem está dedurando seus colegas, na crítica cômica em cima da guerra ou até em ambos, se possível. Billy Wilder deixou um pouco a desejar, embora o resultado final esteja muito longe de algo que possa ser chamado de ruim.