Como transformar a banalidade da vida cotidiana em algo relevante? Como fazer um filme lento não ser chato? As duas perguntas não são respondidas com facilidade, mas se uma resposta existe, ela se chama “Era Uma Vez em Tóquio”. Esta obra de Yasujirô Ozu é um reflexo cristalino de todos os elogios que colocaram o nome do cineasta na história do cinema, embora me sinta na obrigação de dizer que ela não é para qualquer um. Simplesmente não é uma demonstração de cinema tradicional, o que pode ser pouco atraente para muitos espectadores desavisados.
A história é simples: um casal idoso sai de sua casa no vilarejo de Onomichi para visitar seus filhos na grande cidade de Tóquio. Um deles é médico, outra é dona de um salão de beleza e outra é viúva de um filho dado como morto na guerra. A visita não acontece por nenhum motivo maior que pais querendo ver seus filhos, nem é complicada por algum obstáculo inesperado. É um evento tão casual e despretensioso quanto poderia ser.
Tirando uma coisa ou outra, posso dizer com tranquilidade que o resto da história mantém essa mesma tendência casual. No entanto, isso não significa aleatório ou desconexo. Talvez a melhor palavra para descrever essa história seja humilde. Ozu não parece aspirar a muita coisa com este conto. Sua direção contemplativa só parece estar preocupada com uma coisa: capturar os momentos tais como eles são. Sem acentuar qualidades, sem ambiguidade, sem truques. “Era Uma Vez em Tóquio” é a vida como ela é através dos olhos do diretor, um reflexo despretensioso e natural das nuances que tornam a vida o emaranhado de dilemas como a conhecemos. Essencialmente, a prova de que lentidão pode significar serenidade, ao contrário de sua comum associação com o tédio.
O cinema é frequentemente tratado como a representação de um universo fantástico, mesmo que o contexto seja comum como o da família tradicional suburbana. Num ambiente destes, o filho pode se envolver com drogas e fazer com que o pai volte para a bebida, o que o torna violento com sua esposa e faz com que ela caia nas garras da depressão. Todos conhecem o esqueleto dessa história, a família com problemas. A novidade normalmente vem com um desenvolvimento imprevisível, matando a familiaridade e tornando o normal em algo especial. Como dito, “Era Uma Vez Em Tóquio” não tem nada disso. Ele traz o espectador para perto de si através da banalidade despretensiosa. Não importa onde a história se passa, a sinceridade dela é universal.
Por conta da simplicidade da premissa poder não transmitir suas intenções imediatamente, a direção de Ozu reforça tal qualidade. A câmera raramente se move. Ela se posiciona imóvel em uma altura baixa, capturando até mesmo detalhes como o teto. E o que ele tem para dizer? Nada. Ele apenas faz parte do ambiente, da vida daqueles personagens — ou melhor, seres humanos. Como a câmera não infere dramatizações exacerbadas sobre o conteúdo, o diretor constrói seus ambientes e trabalha com a composição de cena de modo que o conteúdo esteja sempre à vista. Tudo é transmitido através de atuações comportadas, gestos pequenos, objetos e coisas que nunca quebram o filtro da naturalidade.
Mas que conteúdo é esse, transmitido através de coisas como dois pares de sapatos alinhados na frente da porta de um quarto? Essa é uma pergunta talvez tão complexa quanto a que fiz no começo do texto. Numa visão mais rasa, “Era Uma Vez em Tóquio” mostra uma interessante visão de como era a Tóquio dos Anos 50, historicamente e culturalmente. Hoje a cidade tem uma das maiores densidades populacionais do mundo e é um grande centro financeiro. Na época, alternativamente, ela não passava de alguns prédios e um aglomerado de pessoas, o que já era o bastante para abalar o mundo dos protagonistas acostumados com seu vilarejo. Muito da cultura também pode ser notada nas atitudes do elenco e até mesmo no comentado posicionamento de câmera, que fica perto do chão para acompanhar os personagens agachados. No fundo, essa cultura diferente não importa muito para o desenvolvimento da história — uma vez que esse é o considerado normal para os japoneses — mas pode mostrar-se interessante para os que procuram uma folga dos cenários ocidentais.
Vendo de uma forma mais profunda, “Era Uma Vez Em Tóquio” mostra sua verdadeira magia no bate bapo entre amigos de anos, entre um velho e a viúva de seu filho ou entre marido e mulher — que se vêem mais como pais de seus filhos e avôs de seus netos do que como um casal. A visita dos protagonistas não tem motivo nenhum em especial, mas evoca dilemas que nem parecem que serão abordados. Afinal de contas, espontaneidade significa não ter pressa para dizer o que é dito naturalmente. É aí que entram os valores de família, um tema que vai além de história e cultura e dá origem a ramificações morais e semânticas sobre a visão do diretor. O carinho dos pais deveria ser o bastante para justificar a atenção dos filhos, mas não é. A atenção dada está bem distante da simplicidade do sentimento que originou a visita, em primeiro lugar. Seria isso um reflexo da diferença entre gerações ou apenas uma divergência de caráter? Os pais criam os filhos esperando criar pessoas nobres e vêem algo completamente diferente. Não é como um investimento, os pais que tratam os filhos como projetos pessoais, este caso é uma situação de altruísmo retribuído com o mais puro egoísmo.
A partir disso Yasujirô Ozu desenvolve seu comentário a respeito da vida e dos valores aceitos como essenciais. Os bons modos estão ali como se fossem itens numa lista de afazeres feita por obrigação em vez de por vontade própria, as máscaras caem e logo revela-se que tudo é artificial, desprovido de sentimento e sinceridade. “Era Uma Vez em Tóquio” é uma visão de mundo genial, na qual crianças mal criadas acabam sendo algumas das poucas pessoas verdadeiras, pois ao menos são sinceras em sua desobediência.
São retratos opostos que criam divergências naturais e constroem os temas de “Era uma Vez em Tóquio”. Este não é um filme em que se pode analisar claramente a função de um personagem ou de um artifício na trama. A imprevisibilidade presente aqui é a mesma da vida real, não há como dizer o que vem a seguir, pois estamos sujeitos ao acaso do cotidiano. Apenas outro sinal da abordagem realista e eficiente que Ozu usa para contar sua história sobre as frustrações e dilemas pequenos, mas não pouco impactantes enfrentados no dia a dia.