Talvez seja meio cedo para classificar as produções de Frank Capra como produtos do otimismo inabalável que Hollywood queria transmitir, mas o segundo filme que vejo dele ao menos mostra uma tendência. Já no primeiro contato não gostei muito das cores e flores que permeiam cada fotograma, então a resposta para evitar o incômodo foi procurar outros elementos que fazem o filmes do cineasta bons. No geral, “Mr. Deeds Goes to Town” não é tão claramente uma obra de Capra, pelo contrário, muito dela é quase uma paródia das virtudes do diretor, mas de uma forma ou de outra o otimismo prevalece.
Na Itália, um milionário sofre um acidente de carro e morre. Sua fortuna, curiosamente, foi deixada para seu sobrinho Longfellow Deeds (Gary Cooper), um rapaz simples do interior. Sua vida na pequena cidade de Mandrake Falls não é de luxos e frivolidades, ele escreve poemas para cartões postais, toca na banda da cidade e é um dos donos de uma alfaiataria. Ele está feliz com sua vida. É amado pelos cidadãos da cidade e mal tem preocupações, então a herança de 20 milhões de dólares não o empolga muito. Mesmo assim ele parte para Nova York para resgatar seu dinheiro, mas as pessoas da cidade grande não são exatamente boas como aquelas de Mandrake Falls.
Um modo interessante de ver “Mr. Deeds Goes to Town” é considerar o protagonista a encarnação dos ideais puros de Frank Capra. Mr. Deeds é um homem honesto, extravagante e até ingênuo de tão bom. Ele simplesmente não enxerga maldade nas pessoas como o cidadão comum faz, o que acaba trazendo diversos problemas para ele. Vendo dessa forma o longa fica melhor do que uma simples sequência de eventos engraçados, ele torna-se uma crítica ao lado ruim do ser humano, aquele que procura usar as pessoas e pensa apenas em si mesmo. Quase tudo é distorcido para algum fim questionável: as atitudes fora do comum do protagonista deixam de ser um diferencial para ele, sendo apenas alvo para críticas e exclusão. Até mesmo quem odeia as virtudes cristalinas do diretor pode se divertir dessa forma, pois ver o protagonista enfrentando a vida real mostra como a visão de mundo de Capra era distante e romântica. Claro, digo isto metaforicamente falando, pois se o espectador ir muito a fundo certamente se decepcionará; a divisão de caráter não é algo tão exclusivo, está mais para algo relacionado a cidade em que o personagem mora.
Exemplo disso é visto logo no começo do filme, quando a cidade inteira dá uma festa na ida de Mr. Deeds para buscar sua fortuna: bandas tocam, cartazes são erguidos desejando boa sorte e todos vibram. Na cidade, por outro lado, todos tem alguma coisa errada sobre si, algo que mostra que eles não são realmente quem são. Praticamente todas as pessoas que cruzam o caminho do protagonista querem algo dele, mas um pedido carinhoso esconde as reais intenções. Em dado momento, por exemplo, ele é eleito presidente de mesa de uma organização que mexe com música, supostamente por ser entusiasta da arte. Na verdade, a situação financeira da organização está feia e eles precisam de um investidor. Até aqui, a moralidade ser tão preto no branco não é nenhum problema. A personalidade singular do protagonista resulta em diversos momentos engraçados, que levam a história para frente de modo leve e nem um pouco cansativo.
O humor é realmente competente e me fez esquecer que este era um filme de Frank Capra por um bom tempo. A maneira como Nova York trata aquele ser humano tão puro é realmente divertida de ver, mesmo com a cidade mantendo aquela pose de eterna malvadona. Sim, Longfellow Deeds é bem construído assim. No entanto, quando o filme chega em seus momentos finais comete alguns deslizes um pouco mais graves que pintar seus personagens com preto e branco. Chega um ponto no qual o otimismo deve reinar absoluto, o que aqui significa descartar boa parte desse preto no branco em prol de um roteiro com final feliz. Mudança e reviravolta são ambas características comuns de pontos de virada num roteiro, mas fica complicado mudar aquilo que era tão absoluto sem uma boa explicação. Infelizmente, a história não oferece isso e deixa um quê de decepção nos momentos finais. Tudo é resolvido de maneira tão simples que é impossível não questionar como chegam ali, em primeiro lugar. Pode parecer apenas um detalhe diante de um filme inteiro de acertos, porém o clímax e a conclusão são dois pontos essenciais para o sucesso de uma história; é aquela história de nadar o oceano atlântico inteiro e morrer na praia, no fim não serve de muita coisa.
Novamente estou levemente decepcionado com um diretor tão aclamado. “Mr. Deeds Goes to Town” está muito longe de ser ruim, pois acerta em cheio no protagonista e na maneira como ele conduz a história, mas um clímax fraco estraga muito da experiência ao manipular valores de roteiro descaradamente a favor de outro final feliz. Nada contra o otimismo em si, contanto que este seja algo construído convincentemente em vez de uma regra imposta.