Se, por um lado, “Love Me Tonight” mostrou-se levemente decepcionante — dado todo o alvoroço em cima de sua qualidade e inovação — posso dizer com tranquilidade que “Applause” faz por merecer todo o aplauso que recebeu ao longo dos anos. Admito que minhas expectativas tinham baixado um pouco após assistir ao outro longa de Mamoulian. Suas tais novidades foram interessantes, mas hoje não são muito mais do que isso, um detalhe de produção que passa despercebido de tão comum que se tornou. Curiosamente, a qualidade que faltou em 1932 já era presente em 1929, “Applause” é superior mesmo tendo sido lançado três anos antes.
Em pleno auge de carreira, Kitty Darling (Helen Morgan) descobre que está grávida. A criança nasce, cresce e quando chega a hora de ir para a escola é mandada para um convento. Kitty não quer a vida de palco para a filha, seu único desejo é dar a ela uma educação longe da sujeira da cidade grande. No entanto, a carreira da mãe não decola da maneira como esperado e ela se vê abraçada à calamidade da meia idade; uma vida de sonhos reduzida a um relacionamento patológico e uma carreira decadente. Para piorar, o parceiro de Kitty, Hitch Nelson (Fuller Mellish Jr.), dá um jeito de tirar a garota do convento e trazê-lá para a cidade na esperança de explorar seu rostinho bonito nos palcos.
Filmes mudos e os primeiros com som costumam sofrer um preconceito comum: muitos acham que quanto mais velha a obra, mais simples sua história. Isso não é verdade. De fato existem filmes com premissas simples, como “The General“, mas isso não constitui regra, de forma alguma. “M” e “Greed” estão aí para mostrar isso. Como disse antes, esperava uma trama simples como a de “Love Me Tonight“, mas encontrei algo mais profundo; uma trama que me prendeu e me surpreendeu com sua ambição. Este é considerado um dos embriões do musical de backstage, subgênero do Musical. No entanto, o longa não se prende tanto a números de cantoria e dança, ele destaca a realidade das dançarinas da época.
O espectador deixa de ser o holofote num espetáculo e torna-se um observador atento da realidade. Uma pessoa enfeitada até os dedos dançando para uma platéia é apenas um lado da moeda, por trás disso existe toda uma vida sórdida, dura e frequentemente infeliz. A personagem queria fazer sucesso, mas engravida bem no seu ápice profissional. Então decide dar uma vida de verdade para a filha, mas seu parceiro atrapalha isso. Ela tenta conciliar sua vida profissional com a pessoal, mas falha miseravelmente por fatores externos. Tudo que ela quer sempre conta com um porém para estragar as coisas. O conflito permanece eterno. Transcende as fronteiras do tempo e prende o espectador — especialmente aquele que não esperava muito — como se quisesse evidenciar quão longe a história pode ir. As atitudes de alguns personagens, em especial, revelam como a indústria do entretenimento pode ser suja — e consequentemente, a coragem do roteiro.
Por outro lado, senti que esta caracterização da indústria poderia ter sido um pouco mais completa. Personagens como Hitch Nelson, o sanguessuga que se acha homem, são o avatar da imundície, mas, tirando outros personagens bidimensionais e estritamente gananciosos, não há nada que dê muito motivo para o espectador odiar os shows tanto quanto os protagonistas. Outros personagens, em contrapartida, são o completo oposto. Sua jovialidade e inocência mostram que a visão de mundo do roteiro não é restritiva; existe um belo romance para opor a visão derrotista de alguém que não conquistou seus sonhos.
A profundidade do enredo, por sua vez, influencia e estabelece uma relação íntima com o elenco de personagens. Como a caracterização — ambientes, cenários e alguns personagens — do universo apresentado deixa um pouco a desejar, cabe aos protagonistas dramatizarem os problemas resultantes do estilo de vida adotado por Kitty Darling. Nesse quesito, os indivíduos que realmente importam não decepcionam. Os quatro atores de mais destaque entregam atuações longe dos exageraos do cinema de alguns anos antes. Sim, algumas cenas ainda parecem passar dos limites, mas o contexto justifica bem esses eventuais descontroles. Sendo assim, fica fácil sentir os problemas se manifestando debaixo da pele dos personagens. Exceto, talvez, no caso da protagonista. Sua condição delicada fica bem clara, mas ela fica muito passiva nessa história toda. Claro, a idéia principal é mostrar como as forças externas são intensas, mas um conflito unilateral tem tanta graça quanto um concurso de soletração contra alguém em coma. Não é um problema de atuação, a maneira como ela lida com tudo isso é o que parece insuficiente.
De brinde, a direção experimental de Rouben Mamoulian mostra novamente como ele é um diretor que recebe menos crédito do que lhe é devido. As típicas tomadas longas não se limitam a uma câmera estática e viajam mais pelo ambiente, cortes de correspondência criam transições suaves entre duas situações muito díspares — entre ambientes ou expressões faciais, por exemplo — e o som é usado de forma revolucionária. Antes de “Applause”, apenas um microfone era usado para capturar todo o som da cena. Mamoulian, por outro lado, queria uma canção de ninar e uma oração na mesma cena, então propôs o uso de um microfone para cada atriz. O resultado das duas gravações seria combinado mais tarde na pós-produção. A idéia demorou para ser aceita, mas funcionou e revolucionou o cinema com som.
O mais interessante é que tudo isso não é o grande chamariz de “Applause”. Não foram as maravilhas técnicas que me fizeram gostar dessa obra — embora muitas façam a diferença — e sim sua história interessante, o grande conflito que os personagens enfrentam e as atuações competentes do elenco. Basicamente, há substância por trás da revolução técnica.