Sempre que mencionado, o termo “guerra” costuma ser divisório. Para uns, significa uma oportunidade de lutar por sua pátria amada; para outros, é uma desculpa para cometer atrocidades. Quando se fala na guerra contra as drogas, tidas quase universalmente como um male social, é de se imaginar que os pontos de vista seriam mais unilaterais. “Sicario” mostra que este não é o caso em sua visão única sobre o conflito entre a polícia e o tráfico de drogas, levando a luta para além das ruas contra os grandes cartéis mexicanos que cometem atrocidades todos os dias.
Kate Mercer (Emily Blunt) pode ser considerada como uma expert em cartéis. Seu trabalho na tropa de choque do FBI a coloca em situações perigosas frequentemente e a última delas envolveu reféns. Depois dessa missão, Kate é convidada para se juntar a uma força tarefa para derrubar o topo dessa cadeia alimentar do crime. No entanto, a única experiência de Kate é com a ação. Ela não tem muito conhecimento sobre quem são os chefões ou sobre estratégias, o que acaba levando ela a questionar o real propósito daquela equipe e qual seu lugar nela.
Ao contrário do que pode parecer, “Sicario” não é um filme de ação vibrante com tiroteios espetaculares e litros de sangue por metro quadrado. Este é um genuíno Suspense. Aqui, isso significa que muitas cenas são paradas e sem movimento, mas todas com sua função: criar tensão para a revelação dos segredos da trama. Aliás, se tem uma coisa que este longa faz muito bem é deixar o espectador no escuro. O começo até é um tanto auto-explicativo: Kate é a mulher numa equipe cheia de homens enormes e não se mostra abaixo deles de forma alguma, sabe o que faz e leva seu trabalho a sério. Porém tão logo que as cenas iniciais passam, uma pulga atrás da orelha surge. A proposta e os envolvidos não parecem totalmente honestos, Kate não está totalmente confortável em sua nova posição e por muito tempo os eventos que seguem ficam suspensos numa nuvem de dúvida.
Felizmente, a história nunca fica nublada a ponto de se tornar desinteressante ou chata. Até meados do clímax principal, o esquema de pista e recompensa funciona perfeitamente. Cada vez que a história parece que vai mergulhar em águas muito desconhecidas, “Sicario” revela um pedacinho do quebra cabeça. Nada muito expositivo, apenas o bastante para aplacar a curiosidade por mais alguns minutos. É uma postura ideal para um filme tão pouco movimentado; ao mesmo tempo que o espectador permanece ignorante, sabe que algo sempre está por vir. Esta antecipação pelo desconhecido e como o roteiro de Taylor Sheridan a manuseia são a base deste longa-metragem.
Infelizmente, ainda sobra uma cena crítica que acaba revelando demais sem razão nenhuma que não clarificar o que diabos está acontecendo. Em termos de trama, funciona porque dá chão para muitos eventos anteriores e posteriores, mas no universo da história não há porquê ela ter acontecido. Nenhuma interpretação conveniente justifica esse momento de puro “vilão conta para o mocinho seu plano inteiro”. Com certeza é um detalhe que não passa despercebido numa história que sutilmente aborda temas como moralidade em grandezas diferentes da sociedade e o lugar de uma pessoa num sistema que mal reconhece sua existência.
A direção de Denis Villeneuve em conjunto a fotografia de Roger Deakins, por outro lado, são o que fazem este filme realmente brilhar. A história funciona bem na maior parte do tempo, mas é o jogo de câmeras que se destaca o tempo todo, em cenas paradas ou movimentadas. Além de criar belas imagens, especialmente nas planícies desoladas, a fotografia mostra interesse em inovar também; como em uma cena de ação, em especial, que é executada de modo muito similar a videogames de tiro em primeira pessoa. Claro, nada como aquela sequência em primeira pessoa do terrível “Doom”, mas certamente uma escolha de ponto de vista que renova uma cena que, de outro jeito, seria apenas comum. Villeneuve, por sua vez, procura levar esta beleza a ângulos extravagantes, os quais aproveitam para caracterizar o ambiente não apenas com tomadas de exposição mas também aproveitando espaço — ou a falta dele — para enfatizar os momentos mais impactantes. Dos tipos de narrativa vistos aqui, o mais atraente é o visual, com certeza.
E, finalmente, dentre todos os aspectos positivos, a atuação Emily Blunt é o que há de melhor. Sua personagem, junto da direção de Villeneuve, compõem o elo forte de “Sicario”, aquele que segura a barra em todos os momentos em que está presente. Não é a beleza de Blunt que a coloca no papel nem sua postura meio Soldada Vasquez, ela não é mero contraste num meio predominantemente masculino. Sua personagem é a perfeita mistura do delicado com o bruto, da aparência com a ação e, por dentro, da competência objetiva com a insegurança remanescente de ser o corpo estranho. É uma pena que nenhuma das três indicações ao Oscar tenham ido para ela, talvez porque o estilo da obra não dê a impressão de que boas atuações possam sair dele.
“Sicario” não é exatamente o que eu esperava. é um suspense relativamente comportado que impressiona por mostrar que há sempre mais nas coisas do que se percebe inicialmente. Quem ver que este é um filme sobre os cartéis mexicanos, provavelmente não esperará boas atuações, como a de Emily Blunt, mas podem acabar se impressionando no final das contas. Seja com ela ou com a mágica de câmeras de Villeneuve e Deakins.