Em coisas subjetivas como o CInema, é muito difícil, se não impossível, apontar uma fórmula para um filme bom. No entanto, muito do resultado final pode ser facilmente atribuído ao roteiro. “Brooklyn” é um daqueles filmes com uma história tão simples que acaba sendo impressionante por ser muito boa. Os eventos da história são familiares e comuns em sua maioria, todos mostram algo que facilmente pode ter sido vivido pela audiência ou, ao menos, algo tão regular que é fácil imaginar se colocar no lugar dos personagens. Tudo isso sem parecer minimamente trivial.
Como fazem isso? O tema de imigrantes chegando numa América inóspita não é estranho no cinema. Ainda assim, tudo aqui parece relativamente novo, sem traços de cansaço ou de clichê. A história contada é a de Eilis (Saoirse Ronan), uma jovem garota irlandesa que decide ir morar nos Estados Unidos. Sua vida na Irlanda mostra pouca promessa. Seu emprego numa padaria é insatisfatório, dizendo em poucas palavras, e seus sonhos parecem não pertencer ali. Antes mesmo de chegar nos EUA, a vida mostra que as coisas não serão tão fáceis, levando Eilis a ponderar profundamente sobre seu futuro naquela terra nova. Será que o Sonho Americano realmente vale a pena? Qual o real valor de uma mudança de vida?
Simplicidade e falta de ambição parecem ser a receita do sucesso de “Brooklyn”. Falta de ambição não por deixar de ir além no conteúdo, mas por trabalhar extremamente bem com um material simples. A magia deste trabalho se dá pois o conteúdo consegue ter efeito até mesmo em quem não passou por uma situação parecida com a da protagonista. Nem todo mundo mudou de cidade, estado ou país, mas muitos já consideraram ou sonharam com tal coisa. Com isso vem a infame ansiedade, afinal de contas ninguém toma uma decisão dessas sem considerar as perspectivas; o sentimento faz com que tudo de certo e tudo de errado seja considerado, ao mesmo tempo e durante muito tempo. Levando isso em consideração, é muito fácil se sentir ligado com os eventos do filme, mesmo que detalhes, como a época, mostrem uma realidade diferente da de hoje.
No centro dessa enxurrada de sentimentos conflitantes está Saoirse Ronan, entregando uma interpretação tocante. Quase tudo que eu mencionei sobre ansiedade e insegurança são elementos estritamente internos, logo não são coisas que podem ser simplesmente filmadas. É aí que Ronan entra, ostentando em seus olhares profundos uma série de conflitos que tornam eventos simples, como ler uma carta ou ir para um dança do bairro, em cenas verdadeiramente profundas. Mais do que isso, estes mesmos eventos banais ilustram como era a realidade daquela época, como era o cotidiano de imigrantes e como muitos deles pensavam. Sem apelar para clichês, esta obra passa longe do típico conto de sofrimento puro e dá um passo a mais, indo além do conflito do homem contra o ambiente e colocando em jogo outros níveis, como o pessoal e o interno.
Na Irlanda, Eilis sofria porque sua vida naquele ambiente era medíocre. Já na América, a garota passou a sofrer por conta da incerteza, quanto ao futuro e quanto ao que deixou para trás; ao mesmo tempo que luta contra o ambiente e a leva de novidades, boas e ruins, que vêm junto. Some isso aos personagens extremamente variados — em nenhum vemos predominância de alguma qualidade, esta não é uma América totalmente hostil — e o resultado será uma experiência realmente diversa, tanto para o espectador quanto para a protagonista. O único problema estaria em meados do último ato, que se desenvolve de maneira duvidosa, mesmo que seja concluído magnificamente. Quando este ato chega, a protagonista já passou por diversas mudanças, ela já não é a mesma do começo do filme; mesmo assim, a trama a mostra tomando decisões e indo na onda de outros personagens como se ela ainda fosse a garota passiva do começo. Para engolir alguns dos eventos principais deste último ato, o espectador deve desconsiderar muita coisa que veio antes, algo prepóstero que mostra como o desenvolvimento da personagem perto do final simplesmente não condiz com os eventos anteriores. Pelo menos a idéia principal permanece em outros pontos desse desenvolvimento, sendo o detalhe que impede todo aquele trecho de ser totalmente inútil e consequentemente pior.
“Brooklyn” surpreende por mirar relativamente baixo e fazer pontos o bastante para entregar uma experiência boa. Não se tem um romance proibido entre mulheres, nem a transformação de um homem numa mulher, pelo contrário, muito aqui vai parecer muito familiar. Usando isto, esta obra aproveita este sentimento para aproximar o espectador de sua trama.