Alimentando a fome da Academia por histórias baseadas em fatos reais, “The Big Short” traz à tona um assunto muito comentado, porém pouco compreendido. Especialmente no Brasil, gostam de culpar a crise em qualquer coisa, seja perder o emprego ou bater o dedinho do pé no armário, tudo é culpa de uma força maior. Claro, não é como se muitos problemas não fossem por causa da crise; o mundo gira em torno de dinheiro, então é esperado que a vida das pessoas mude quando o mercado quebra. Embora o assunto seja frequentemente chato e sempre complexo, este longa consegue quebrar os termos complicados e as balelas para deixar tudo mais compreensível, ainda que com sua cota de falhas.
O espectador acompanha três histórias paralelas na Wall Street de meados dos Anos 2000. Cada uma tem seu próprio grupo de investidores, embora os três não tenham muito em comum: Michael Burry (Christian Bale) é gerente de fundos de uma grande empresa, socialmente desajeitado e com bermuda e chinelos no lugar do terno; Mark Baum (Steve Carell) é um executivo que, desde a morte de seu irmão, lidera sua empresa com o pessimismo como lema; completando, dois empresários de fundo de quintal empolgados com o alto crescimento de sua empresa. De uma forma ou de outra, todos analisaram as estatísticas e os números até descobrir uma tendência imprevista: o mercado imobiliário, uma das fundações da economia americana, quebraria em breve. Sendo assim, todos decidem apostar contra esse mercado na esperança de que suas previsões estejam certas.
O assunto pode parecer um enorme pé no saco — e muitas vezes é. São muitos os fatores que complicam o entendimento de tantos números e contratos. No entanto, em “The Big Short” o assunto não é conduzido como se estivesse nas mãos de um leigo ou de um burocrata ultra técnico. Talvez até se possa dizer que, apesar das explicações, muito do diálogo rápido e direto fique um pouco confuso. São tantos CDOs, CDSs, Triple As, Double As e Bs que tudo é quase grego. Na pior das hipóteses, o mais confuso dos espectadores entenderá que eles estão apostando contra um investimento aparentemente seguro e que essa mesma segurança irá sumir, gerando lucro para eles. O ideal seria ter conhecimento em Economia e entender como funciona o mercado imobiliário dos Estados Unidos, mas como nem todos têm 4 anos para uma nova faculdade, acabam tendo que lidar com o que o filme passa.
A parte boa da direção de Adam McKay traz explicações exatamente nos momentos em que o assunto ultrapassa o complicado e começa a ficar chato. De maneira criativa, o diretor convida atores e famosos para interpretar eles mesmos e apresentar metáforas para explicar alguns conceitos apresentados. Margot Robbie numa banheira explica alguns planos de financiamento; depois Selena Gomez num cassino explica como a tal segurança desse sistema funciona. São pausas estranhas e bem humoradas, que fazem um tremendo favor para que alguém entenda o que diabos está acontecendo. A melhor parte é que elas não quebram a imersão de forma alguma e chegam sempre na hora certa. Com uma entonação da narração e da direção tão descontraída, não há como criticar essa iniciativa de “The Big Short”. Sem dúvida a experiência não se safaria com um trecho de exposição mais sério do que estes.
Ademais, todos os jogadores envolvidos trazem consigo boas interpretações para humanizar seus personagens. Francamente, nenhum deles é marcante o bastante para o espectador lembrar deles após o fim de “The Big Short”. Ao menos todos são indivíduos que têm suas 2 horas de fama por se tornarem minimamente interessantes nas mãos de gente como Steve Carrell e Brad Pitt. Dificilmente alguém vai se lembrar do personagem de Christian Bale por quem ele é, assim como não o farão com o de Brad Pitt; eles provavelmente serão lembrados como o esquisitão do olho de vidro e o cara que não parece o Brad Pitt nem de muito longe.
Este é outro clássico exemplo de filme com material excelente que não atinge seu potencial. Vendo como se lida bem com o assunto, é um pouco triste como o resto do filme se conduz mal. Quando disse que a abordagem era um tanto descontraída, não quis dizer engraçada, sarcástica ou leve, mas incomum. Não só isso, pelo menos. A direção infelizmente falha em capturar qualquer um destes aspectos através de seus personagens, apelando para a narrativa para transmitir a descontração e o humor da pior maneira possível: sem consistência. Basicamente, “The Big Short” às vezes parece um filme de Windows Movie Maker feito com muito dinheiro. Supondo que se queira alfinetar algum político: em vez de criar algo insolentemente engraçado, cria-se uma montagem rápida com várias imagens do Google Imagens para representar o que está sendo falado.
Um exemplo tosco e ilustrativo é um vídeo da música “Roxanne” do “The Police” que vi no YouTube uma vez. Nele, conforme o vocalista cantava “Don’t sell your body to the night” o vídeo mostrava uma placa de venda, um manequim e um cavaleiro de armadura. Sim, só falta uma porção de memes do 9GAG para completar o pacote. Talvez seja uma tentativa de humor escrachado, mas para mim parece apenas uma tremenda desculpa para não arranjar nada melhor. O pior de tudo é que o elenco forte, sem dúvida, daria conta de entregar um humor de melhor gosto se o roteiro fornecesse oportunidade para isso. Steve Carell fez um trabalho excelente em “The Office” e poderia dar outro gosto de seus chiliques histéricos do seriado de uma forma mais séria aqui, enquanto Christian Bale e Brad Pitt ambos cumprem seu papel, mas nunca se destacam porque o mesmo papel é bem pequeno.
Por um lado, ser desinibido com toda a parte de empreendimentos, Wall Street, negócios e crise ajuda muito na compreensão da situação; não só do filme, mas da situação real também, já que explicações concisas e didáticas dificilmente se encontram. Por outro, não existe moderação ou controle na hora de dosar essa descontração, pois a abordagem leve logo vira humor barato e sem inspiração. Dessa forma, “The Big Short” não perde apenas a graça como também um pouco das rédeas de sua história.