Uma das obras mais famosas de Douglas Sirk, “All That Heaven Allows” conta a história de Cary Scott (Jane Wyman), uma viúva que passa seu tempo recebendo visita de conhecidos e frequentando o clube da cidade. Aparentemente, suas amigas sabem mais sobre sua vida que ela própria, comentando sobre como ela está, como deve se portar e o que deve sentir. Em um dia ordinário, ela se aproxima de Ron Kirby (Rock Hudson) e quando se dá conta, está apaixonada pelo rapaz e ele por ela. Uma situação simples, exceto pelo fato de Ron ser jardineiro e mais jovem que Cary, detalhes que não passariam batidos pelas fofocas da cidade.
Filmes bons que mantém seu brilho com o passar do tempo são jóias que permanecem brilhantes ao longo do tempo. Mais do que poder ostentar qualidade, eles devem ser ainda mais valorizados por conseguir manter seus temas modernos décadas depois de seu lançamento. “All That Heaven Allows” é uma obra que vai além disso. Ela não está apenas muito bem conservada aos 60 anos de idade, seus temas são tão válidos hoje quanto foram na época. Sem adaptar conceitos, nem modificar nada; a mensagem é clara e pode ser facilmente aplicada hoje ou daqui 50 anos.
Quem dizer que meia década é muito tempo terá total razão, o que nos leva a pensar no fator em comum entre 1955 e 2015. Se alguém dizer que o elo é Marty McFly, terei de admitir que não há engano, embora, neste caso, eu esteja me referindo à natureza humana. Aspectos como emoções, personalidade e sentimentos são eternos. Não há um momento da história da humanidade que esteja desprovido de emoção. Até mesmo quando dizem que uma pessoa agiu sem coração, pode-se descrevê-la como impiedosa ou fria, sempre há um plano de fundo para todo e qualquer ato. Este é o motivo que torna este longa-metragem tão eterno. Ter uma televisão era incomum no contexto histórico da trama? Irrelevante. O que realmente importa é a motivação por trás do objeto, qual o impacto simbólico do ato; tudo que é atemporal, tal é a mágica deste filme.
Douglas Sirk constrói seu longa-metragem de uma maneira tão cuidadosa e concisa que não há conteúdo extra, não há partes que poderiam ter ficado de fora. A duração de 89 minutos até sugere isto, mas é através do roteiro, da construção delicada dos personagens e do trabalho com os temas que essa impressão é passada. Uma olhada rápida sobra a premissa mostra que o material tinha muito potencial para ser qualquer coisa — um longa mediano ou até um episódio de novela — menos um filme excelente. Felizmente, o resultado final é uma dose equilibrada, e curiosa, de brevidade e profundidade. A história parece estar perfeitamente embrulhada e seus eventos acontecem justo naquele momento adequado, embora o que se tire de tudo isso não seja o clichê ou a coincidência. Isso se chama roteiro bem escrito, sem delongas, sem enrolações. O escopo não é ser um Épico, Sirk busca explorar a fundo a natureza humana em menos de 1 hora e meia e é exatamente isso que ele faz.
A duração não importa tanto quando se usa bem o tempo. O diretor inova na maneira como se explora o típico melodrama, incluindo o extensivo uso de cores para refletir a intensidade e a natureza das emoções mostradas. Nas próprias imagens desta postagem pode-se notar que há um jogo de iluminação com cores conflitantes. Na primeira imagem se vê que os dois personagens partilham de um momento sentimental, mas algo torna a situação diferente de um encontro romântico qualquer; há uma aura azul sobre as duas pessoas, uma atmosfera melancólica sobre aquele casal. Cores frias e cores quentes dividem o quadro da mesma forma que sentimentos conflitantes dividem uma pessoa, representando de forma fiel a luta entre o que a sociedade julga apropriado e as convicções pessoais dos protagonistas. Este conceito é levado adiante quase pelo filme inteiro, embora, como dito, este seja apenas um reflexo de toda uma exploração mais complexa da emoção humana — composta em grande parte pelas atuações de Jane Wyman e Rock Hudson. De qualquer forma, mesmo não sendo uma coisa grande, esta é uma adição que mostra a riqueza e o cuidado com detalhes do diretor, independente da duração curta.
Um melodrama que tinha tudo para ser apenas mais um entre as dezenas lançadas naquela época, “All That Heaven Allows” mostra que por trás de sua premissa típica há algo muito maior. Até o próprio Douglas Sirk disse que o roteiro era meio impossível, mas como se vê neste espetacular melodrama sobre convenções sociais, egoísmo e amor, o que ele fez com a obra já é o bastante para agradar. Mais do que isso, o cineasta entrega um dos melhores dramas de todos os tempos.