Quem não é familiar com a série 007 pode se perguntar, eventualmente, qual a explicação para a troca de atores. No universo dos filmes não chegam a tocar no assunto, todos são tratados como James Bond, ao passo que no mundo real a explicação mais óbvia é que existem detalhes — como idade do ator, contratos e imprevistos — por trás das substituições. Em uma dessas mudanças entrou Timothy Dalton, o ator que recebeu menos atenção que merecia enquanto 007. Sua carreira teve bons momentos na TV, no Cinema e no Teatro, chegando a ter influências do teatro clássico do seu tempo com a Royal Shakespeare Company, que são refletidas em sua interpretação competente e original do agente.
A missão da vez apresenta James Bond (Timothy Dalton) novamente motivado por razões pessoais. No dia do casamento de Felix Leiter, o amigo da CIA de Bond, surge uma chance única de capturar Franz Sanchez (Robert Davi), um barão das drogas que inesperadamente aparece nos EUA. Pouco tempo após a captura do criminoso, ele foge e se vinga do agente que o prendeu, assassinando sua esposa e deixando-o à beira da morte. Tão logo que a notícia chega aos ouvidos de 007, ele sai em uma missão pessoal de vingança, tão determinado a pegar Sanchez que abre mão de sua licença para matar.
Este filme é alvo comum de críticas pesadas, vindas tanto de fãs quanto de espectadores casuais, todas concentradas na entonação mais pesada deste filme. De todos os motivos para criticar este longa, acredito que ser mais sério não é uma que faça muito sentido, ainda mais quando as queixas vêm das mesmas pessoas que reclamavam da leveza da Era Moore. Chegaram a dizer que o tom é tão distante do costumeiro, que poderiam colocar Arnold Schwarzenegger no papel principal e ninguém perceberia que a história pertence ao universo de 007. Exageros à parte, esta é claramente uma obra com muitas características da série, mesmo com a tonalidade mais pesada. Para mim este tom não é, nem de longe, um problema e muito menos uma surpresa, pois Dalton já mostrara em “The Living Daylights”, filme que precede este, que seu Bond era mais sério e austero.
Essa sobriedade chega a ser um dos pontos fortes, diga-se de passagem, mesmo que muitos momentos sejam um tanto mais violentos que o espectador pode estar acostumado. Este cenário de vingança e brutalidade é onde Dalton dá seu melhor e onde parece se sentir confortável com sua interpretação, mas o mundo não estava preparado para sua abordagem. A audiência queria Pierce Brosnan no papel e por pouco não o tiveram, Brosnan não apareceu mais cedo na franquia por conta de problemas contratuais com o seriado que fazia na época. Comparando hoje pode-se notar diferenças gritantes entre Brosnan e Dalton, talvez um dos motivos pela aceitação apreensiva do último. O que, finalmente, complica a situação deste longa não é uma expectativa não correspondida ou uma frustração com mudanças, mas uma insegurança por parte da produção de seguir uma linha do começo ao fim.
Caso tivessem mantido a entonação séria até o fim, uma porção de espectadores ficaria ainda mais revoltada do que ficou, mas ao menos o resultado seria um longa-metragem mais consistente. Neste ponto da história de James Bond, alguns artifícios da franquia já estavam batidos demais para não prejudicar o filme. Se este fosse o único problema, a situação certamente seria menos complicada, porém o contexto de tais artifícios era totalmente diferente do que se pretendia aqui. Não só temos algo conhecido demais para ser bem vindo, como também totalmente anti-climático. É difícil engolir um capanga tentando empalar alguém com um Marlin no mesmo filme em que Bond alimenta um tubarão com seus oponentes. É explícito como algumas coisas já haviam perdido a graça ou simplesmente evoluído para algo pior que sua primeira aparição. Não tenho problemas com a pasta de dente explosiva ou com a arma com identificação de digitais, mas a vassoura com função de rádio já é demais. Ver o próprio Q descartar o acessório logo após usá-lo me faz ponderar em como não pensaram em um rádio simples antes de “Skyfall“.
Não é como se o filme fosse ruim, no entanto, pois muitas qualidades que fazem a franquia ser tão boa estão em sua melhor forma aqui. A ação, elemento mais importante, permanece digna dos melhores filmes do passado, com sequências excelentes e manobras com caminhões que não devem nada ao que se viu em “Mad Max 2“. Por outro lado, o roteiro tem alguns segmentos ruins o bastante para atrapalhar o que poderia ter sido uma trama sólida, especialmente por conta do relacionamento fraco de Bond com as Bondgirls. Outros detalhes menores, como uma rara trilha sonora pouco imaginativa de John Barry, também acabam evitando que este longa tenha alguma chance de brilhar, apesar de seus defeitos, resultando em um filme que perdeu sua chance de ser o melhor de Timothy Dalton.