Muita gente reclama do Netflix por ele só ter filme velho. A maioria das pessoas que fazem essa crítica querem filmes que acabaram de sair dos cinemas, coisa que nunca foi o foco do serviço. O curioso é que para mim, e espero que para outros também, este é um dos pontos positivos do Netflix. Além de obras não tão velhas, como dos anos 80 e 90, temos de vez em quando algumas mais antigas e difíceis de achar, como “Kansas City Confidential” — um Noir de baixo orçamento, não muito famoso e de extremo bom gosto.
O filme introduz o espectador a um homem de meia idade observando um banco por sua janela. Todo dia um caminhão de flores estaciona em uma floricultura perto do banco no mesmo horário, pouco tempo depois o carro forte chega para buscar sacos de dinheiro. Três meliantes com a corda no pescoço são recrutados para o trabalho, que é executado como planejado. Os bandidos fogem das autoridades e Joe Rolfe (John Payne), um entregador da tal floriculura, acaba incriminado pelo crime. Quando as provas mostram-se insuficientes, Rolfe sai para buscar os responsáveis por sua ruína.
O termo Filme B pode ser visto como algo negativo por conta da limitação no orçamento, mas na época do sistema de estúdios de Hollywood tais obras tinham sua importância, especialmente para o Noir. Como Hollywood funcionava quase como uma fábrica, com regras rígidas e tarefas bem definidas, havia pouco espaço para inovação. Os estúdios controlavam até mesmo os cinemas em que suas obras eram exibidas e estes exibiam dois longas por sessão, o segundo normalmente sendo de baixo orçamento. Lá diretores menores tiveram sua chance de brilhar e construir o Noir de sua maneira. Em 1952 já não havia tanto espaço para novidade, o gênero entrava em sua segunda década de existência e muitos dos mandamentos já estavam escritos. Ainda assim, somos introduzidos a uma sequência de texto dizendo que esta história é real, que seu conteúdo é tão restrito que foi chamado de Confidencial.
Claramente, nada do que é dito é verdade; essa introdução é mais uma precursora do que viria a ser comum em tantos longas supostamente baseados em fatos reais. Esta foi uma tentativa de inovação que não fez tendência, felizmente, porém mostra ao espectador que ainda existia certa vontade pelo novo nos bastidores. Já no que se refere ao lado comum do Noir, este longa surpreende por ser tudo menos ruim. Mesmo com um olhar mais atento, não se nota nenhum aspecto que deva algo às grandes produções. Obviamente não se vê estrelas como William Holden ou Humphrey Bogart, mas ao menos temos um elenco competente e Lee Van Cleef no começo de sua carreira. John Payne passou longe de ter a mesma atenção que os mencionados atores, a maioria dos papéis de sua carreira foram pequenos em obras grandes ou grandes em obras pequenas. Sua performance aqui mostra que ele merecia mais do que teve, uma vez que ela, assim como muitos dos aspectos aqui, não possui nenhum traço que justifique sua omissão frente ao estrelato da época. As demonstrações de violência até podem ser apontadas como uma possível razão por parecem tolas hoje, mas isso não é culpa do elenco, era algo que se via com frequência naquele tempo. Estas mesmas demonstrações são, inclusive, os únicos momentos em que a direção falha de verdade. Não me importo de não ver sangue jorrando, como em um longa de Quentin Tarantino, apenas esperava que soluções criativas tivessem sido aplicadas para transmitir a violência sem que conteúdo seja cortado e sem obscenidades alheias.
Um dos méritos da história é o fato dela conseguir renovar o interesse do espectador com certa frequência. Ela não é nenhum marco de complexidade, porém tem seu sucesso traduzido nos inúmeros momentos de tensão, deixando o espectador ansioso pelo momento em que tudo vai dar errado. Um crime perfeito é algo que não permanece assim por muito tempo, as intenções não são o que aparentam e o resultado é um suspense bem vindo em uma história sem muita profundidade. O porém é que o roteiro inova em momentos, como na introdução, e ao mesmo tempo se prende a alguns preceitos do cinema da época. Existe toda uma história bem conduzida sobre uma pessoa incriminada injustamente em busca de explicações, com uma conclusão que mistura o pessimismo do Noir com o otimismo do romantismo hollywodiano. Não é uma combinação que funciona bem, uma vez que o gênero funciona como um rompimento com muitos das regras não escritas dos estúdios. Fica entendido o que querem atingir com tal final, mas não é algo que se encaixou bem; ao menos não da maneira como foi inserido, dando a impressão que foi uma manobra desesperada a uma área de escape.
No final das contas o saldo ainda permanece bem positivo, uma vez que os erros estão em bem menos peso que os vários acertos. O roteiro acaba sendo o anti-herói da história aqui, o responsável por uma boa fatia de suspense, essencial para a manutenção do interesse do espectador, e também vilão por concluir de uma maneira segura demais frente a uma trama repleta de tensão e insegurança. Ainda asssim uma experiência muito válida aos interessados pelo bom cinema do Noir.