Tão logo que se bate os olhos na sinopse deste filme, um sentimento de desconfiança se instala. A história de um homem que andou de uma torre do World Trade Center até a outra não parece ser grande coisa. Tudo bem que ele andou de um telhado ao outro em uma uma linha de aço, mas as perspectivas ainda não eram lá muito intrigantes para deixar os ânimos em alta. Entretanto, a experiência se mostra como uma surpresa. Junto com “The Man From U.N.C.L.E.“, este é outro bom filme em um ano no qual a maioria dos lançamentos não são atraentes.
Se por um lado Matt Damon interpreta um dos primeiros homens a desbravar a imensidão do planeta Marte, em contrapartida Joseph Gordon-Levitt interpreta Philippe Petit, um equilibrista que pode se gabar por ser o primeiro homem a fazer — e infelizmente o único que fará —o trajeto entre as torres gêmeas sobre uma linha de aço. Antes do feito, o longa volta um pouco e nos mostra como era a vida de Philippe, como um artista de rua se tornou um dos artista criminoso através de apenas um ato. Ainda assim a trama parece ser um tanto desinteressante, devo admitir, mas o segredo de contar uma história sem sal é dar alguns toques para que ela, aos poucos, conquiste o espectador.
Robert Zemeckis teve uma carreira relativamente variada no cinema, mas seu trabalho mais famoso ainda é a trilogia “De Volta para o Futuro”, lançada 30 anos atrás. A entonação leve das aventuras de Marty McFly retorna aqui, sendo o primeiro fator que desenvolve a premissa pouco promissora em algo mais agradável. O filme permanece longe de ser uma Comédia, porém seu tom faz com que a experiência pareça muitas vezes um passeio até o clímax na torre. O começo é, inclusive, quase uma homenagem aos trabalhos do cinema europeu, com muitos traços característicos do cinema pessoal da década de 60. Logo esta dedicação passa e temos uma condução leve de trama, contando sem sensacionalismo como Philippe conhece sua namorada Annie (Charlotte Le Bon) e seu mentor Papa Rudy (Ben Kingsley). Um a um os chamados cúmplices são recrutados e o elenco vai se diversificando, tornando-se outro grande quesito aqui. Digo cúmplices pois, mesmo que um grande feito, a travessia era totalmente ilegal.
Felizmente, o elenco faz sua parte muito bem e junta seu bom trabalho à narrativa leve. Joseph Gordon-Levitt, especialmente, entrega uma performance inesperadamente competente. O sotaque francês mantido do começo ao fim é um destes atrativos, uma vez que é manuseado com precisão pelo ator. Puristas podem até querer reclamar do fato do personagem não falar francês o tempo todo, mas até essa base é coberta por Zemeckis quando o personagem diz estar praticando o inglês para sua futura travessia. Mais do que falar engraçado, o personagem ostenta um carisma imenso por ser simplesmente amável; sua escrita e seu desenvolvimento fazem dele algo muito diferente dos inúmeros arquétipos sugeridos pela sinopse. Não temos isoladamente o artista incompreendido, o jovem excêntrico ou o exemplo de determinação, temos tudo isso e mais fundido em uma pessoa só.
Philippe Petit é também o narrador da história, contando ela em retrospectiva conforme é apresentado no topo da estátua da liberdade. Obviamente, assim como muitos dos cenários vistos, a cena não é gravada no local; a reprodução dos cenários é feita quase totalmente em computação gráfica. Faz mais de uma década que as Torres Gêmeas foram derrubadas e, até onde sei, não reconstruíram nenhuma das duas, restando apenas a opção de gravar em estúdio para a produção. Nesse quesito não existe nenhuma reclamação, pois em nenhum momento pude notar que algo estava deslocado na imagem, como quando a computação gráfica fica negativamente destacada na imagem. Inclusive, grande parte da publicidade deste filme destaca o uso que este ele faz do 3D e do IMAX 3D em especial. Ironicamente, o único filme que poderia ter sido muito beneficiado acabei assistindo em uma sessão 2D comum. A qualidade visual permaneceu impecável, embora algumas sequências claramente foram feitas com o 3D em mente, com o qual certamente brilhariam. No 2D tudo só pareceu uma tentativa pedante e com pouco valor quando desunida do efeito tridimensional.
2015 é um ano um pouco decepcionante para o cinema, mesmo com “Mad Max: Fury Road” dando as caras no primeiro semestre e dois grandes títulos, “Star Wars: Episódio VII” e “007 Contra Spectre”, por vir. O que tem salvado a pátria, no entanto, é a aparição de algumas obras como “The Walk” e “The Man From U.N.C.L.E.“. São bons filmes, mas que infelizmente têm gerado pouco sucesso nas bilheterias. Resta torcer para que os estúdios não cortem tais lançamentos em prol de adaptações de best-sellers juvenis, de qualidade duvidosa e, na maioria dos casos, inferior.