Na década de 60, quando seriados de espiões estavam a todo vapor, um dos nomes populares foi “The Man From U.N.C.L.E.”. Durando quatro temporadas e encerrando em 1968, o seriado caiu um pouco no esquecimento junto de outras séries de espião conforme os anos 70 chegavam. Quase 50 anos depois, Hollywood revive outra franquia do limbo existencial para tentar faturar em cima de grandes nomes do passado, talvez não tão grande neste caso.
Napoleon Solo (Henry Cavill) é um ex ladrão de obras de arte que lucrou com o mercado negro do pós-guerra, eventualmente capturado pela lei e forçado a trabalhar para a CIA em troca de sua liberdade. No começo dos Anos 60, a Guerra Fria era o centro de atenção do mundo e a guerra nuclear batia à porta. Em uma missão na parte soviética de Berlin, Solo acaba entrando em conflito com o agente da KGB Illya Kuryakin (Armie Hammer). Desta briga nasce uma rivalidade entre os melhores homens de cada lado, fato que complica um pouco a situação quando o americano sofisticado e o russo nervoso são colocados para trabalhar juntos na mesma missão.
Devo dizer que em uma primeira vista eu não dei muito valor para este filme, provavelmente por achar que este seguiria no mesmo caminho do fraco “Kingsman: The Secret Service“, ainda mais quando o tom dos trailers puxava muito para a comédia. O resultado final acabou sendo uma surpresa, pois este filme acabou aplicando o humor de uma forma bem natural na narrativa. Não se trata exatamente de um filme de comédia propriamente dito, uma vez que o tom geral não puxa para a chacota ou para a sátira, os traços do gênero estão traduzidos em uma entonação mais leve. O longa não se leva excessivamente a sério, criando uma atmosfera leve e única, de sua forma, sem chegar a ficar satirizado. Ainda é possível que o espectador leve os eventos da história a sério, pois as cenas de ação são estilizadas e bem distribuídas ao longo do enredo, resultando em um ritmo muito agradável sem que os ânimos sejam forçadamente mantidos no alto.
Este ritmo é provavelmente a qualidade mais forte do longa-metragem por conseguir manter a trama interessante sem que muito conteúdo seja apresentado, poucas vezes na história do cinema cenas em quartos de hotel foram tão assistíveis. A fluência entre cenas é tão eficiente que a missão super importante perde qualquer sinal de pretensão que poderia ter; chegam a falar que a missão é de importância crítica para que o mundo não caia em guerra nuclear, mas ninguém parece se estressar mais do que deveria para cumprir sua missão. Encaixando isso com o humor bem aplicado e os visuais altamente estilizados temos um filme que foge um pouco da velha missão para salvar o planeta, ao mesmo tempo que ela nunca deixa de ser exatamente isso em sua essência. Se em uma visão crua alguém desejar ver o filme apenas por este viés, ao menos crédito deve ser dado ao caráter visual muito agradável dado ao plano de fundo clichê. O design de figurino faz muito pela caracterização dos personagens, usando e abusando das vantagens de ter um orçamento recheado. Apenas vendo as roupas dos personagens notam-se algumas características da personalidade de cada um, não de maneira caricata, mas apenas muito condizente com o que o roteiro e as atuações demandam.
A eficiência do ritmo, dos visuais e do humor chega a ser tanta, que quase se chega ao ponto de esquecer que a história no fundo não é realmente grande coisa. O problema em si não é a história ser um conto requentado da Guerra Fria, mas que pouco acontece de verdade. A missão inicial é capturar uma garota, a única pessoa que pode dar as direções até a localização de seu pai, um cientista que inventou um novo tipo de bomba atômica. Parece coisa simples e a obra consegue maquiar bem todo esta enrolação até o ponto que as coisas voltam a andar, aí se torna inevitável notar que basicamente nada aconteceu até então. A parte final inclusive sofre um pouco por parecer rápida demais em comparação com o resto do longa. As coisas ainda não chegam a ser ruins, apenas explícitas o bastante para o espectador perceber algo errado.
Longe de ser o filme do ano ou qualquer coisa perto disto, “The Man from U.N.C.L.E.” mostra-se como uma experiência agradável e única por fazer um ótimo uso de ritmo, design de produção e humor para dar uma identidade ao seu produto. Outra surpresa foi a atuação formidável de Henry Cavill como um agente suave, elegante e sarcástico, um sinal que o ator tem mais a oferecer do que se viu em “Man of Steel”. Além de sua boa aparência existe talento, qualidades que o fazem uma boa escolha para o James Bond que sucederá Daniel Craig. A história, por outro lado, peca por oferecer pouco ao espectador em 116 minutos de duração, um fator decisivo que evitou que este fosse um filme ainda melhor do que foi.