Em outras ocasiões tive a oportunidade de falar um pouco sobre minha visão do cinema mudo, como a experiência se sustenta hoje em dia perante tantos avanços técnicos e culturais do Cinema; e em particular acredito que existe muito potencial a ser explorado com imagens, afinal de contas o cinema é uma arte muito mais visual do que sonora, por exemplo. O advento do som na sétima arte foi um avanço importante, se não essencial, para a maneira como apreciamos tal arte hoje, o que pode levar uma pessoa a pensar que a falta dele signifique automaticamente um produto incompleto.
Não é isso o que se encontra em “Greed”, uma obra sobre um assunto relativamente comum e amplo para ser o núcleo de um longa de quase 4 horas. Chegando a ir além do que muitos exemplos de filme por aí atingem, este longa apresenta uma prova concreta de que simples imagens são capazes de feitos incríveis. Digo isso pois muito da obra original de Erich von Stroheim, o diretor, foi perdida ao longo dos anos, junto de muitos outros filmes da era muda; um trabalho de cerca de 8 horas de duração foi cortado inúmeras vezes até chegar nos 140 minutos que foram aos cinemas, para uma recepção arduamente negativa e uma falha comercial. Stroheim relata que o que fizeram com sua obra uma das maiores blasfêmias de todos os tempos, assunto abordado várias vezes por ele. Em 1999 foi financiada uma restauração do longa-metragem à partir do roteiro original; e ainda que muitos trechos tivessem sido destruídos, centenas de fotografias da produção estavam preservadas, que foram utilizadas para recompor as partes perdidas.
Voltando ao poder das imagens, pode-se ver que não só através de efeitos especiais e diálogos que se pode extrair um significado; uma simples fotografia, que compõe cerca de 4% das imagens apresentadas em 1 segundo de filme, já é capaz de ser um potente veículo semântico. É aí que considero que a grande conquista deste longa-metragem se encontra, pois mesmo que o modelo de filme mudo seja ultrapassado, o significado é passado com clareza. A eficácia desta obra não se resume a simplesmente passar a mensagem, entretanto. Por conduzir com sucesso o que as imagens animadas mostram, as inúmeras fotografias podem ainda gabar-se de criar uma experiência muito mais interessante que muitos filmes modernos; vários destes que falham em ser tão impactantes quanto uma obra do cinema mudo, mesmo utilizando de recursos que só viriam a ser populares décadas mais tarde. Se há algum filme quintessencial para uma introdução ao poder do cinema, este é sem dúvida um candidato fortíssimo.
Enquanto complicações não faltam no que se refere à produção, o enredo é relativamente simples, um conto centralizado em um dos sete pecados capitais, a Ganância. McTeague (Gibson Gowland) é um ex-minerador que tenta ganhar a vida na cidade grande como dentista, após aprender o ofício na estrada; lá ele encontra figuras como Marcus (Jean Hersholt) e Trina (Zasu Pitts), figuras que junto de McTeague passam a cair no sedutor feitiço da cobiça e da ganância. As coisas pioram quando Trina inesperadamente ganha na loteria, um acontecimento que muda a vida de todos ao seu redor ao passo que os olhos crescem mais que o rosto. Sutilmente é a maneira como se trabalha com uma trama descomplicada, e é assim que os eventos vão se desenrolando. O evento que começa tudo é explícito, mas é aos poucos que se nota como os personagens deixam-se seduzir por uma força que apenas cresce proporcionalmente ao desejo dos envolvidos. Com gestos tão simples quanto sua própria história, Stroheim pincela suavemente o desenvolvimento dos seres humanos representados; indo de uma entonação leve e despretensiosa até um ponto em que há tantas cores que o resultado é apenas uma mancha dourada, o avatar da ruína do ser humano.
O cansaço, qualidade conhecida dos filmes mudos, ainda está ali, ainda que numa proporção menor que outros trabalhos. A obra por si faz muito para que um sentimento de tédio não exista, com sua narrativa sólida e personagens interessantes, da mesma forma que a glória vista aqui deve muito ao trabalho de restauração. A trilha sonora, composta especialmente para o relançamento de 1999, é algo ainda mais crítico aqui do que seria em um filme com som, decepção estando longe de ser um adjetivo aplicável neste caso. Além de cumprir seu trabalho e ilustrar minimamente a atmosfera da situação em questão, melodias até chegam a ser marcantes a ponto do espectador notar que elas estão tocando novamente. Há sempre a chance de que uma melodia toque tantas vezes num filme de 4 horas que por ventura ela será lembrada, mas prefiro acreditar que realmente gostei delas o bastante para tamborilar elas ocasionalmente.
Ainda assim, para alguns “Greed” pode ser um exercício de paciência. Não por ser chato, pelo som fazer falta, ou pelos cartões de texto serem uma mecânica tremendamente anti-climática, e sim porque 4 horas é um período considerável de tempo. Tirando casos em que o espectador realmente planeje ver um filme do tipo, acho difícil que alguém que procure um entretenimento descompromissado não se canse um pouco eventualmente. Este filme é como aquele seu tio psicanalista que precisa contar a origem das espécies até chegar no ponto que deseja: ainda que demore, uma hora a parte boa vem e faz valer todo o tempo dedicado àquela conversa.