Provavelmente a obra mais aclamada de Nicolas Winding Refn, “Drive” é o primeiro filme da parceria do diretor com o ator Ryan Gosling. Uma entonação similar ao que se viu em “Valhalla Rising” é mantida, ou seja, um ritmo mais parado com pouco diálogo e alguns picos de ação. Mas dizer isso sem mencionar a clara evolução da decepção morta que foi sua obra sobre a mitologia nórdica é ser desonesto com os sucessos deste filme, que claramente supera seu predecessor de 2009 em quase todos os sentidos.
Um misterioso protagonista sem nome, interpretado por Ryan Gosling, é a estrela deste longa-metragem, motorista profissional e mecânico na oficina de seu amigo Shannon (Bryan Cranston). O detalhe é que sua profissão como motorista não está limitada a um simples serviço de chauffeur, seu trabalho vai de dublê de cinema até motorista de fuga para criminosos. Eventualmente, o motorista conhece e passa a ter contato frequente com Irene (Carey Mulligan), uma mãe solteira que tem um apartamento ao lado, criando afeição por ela e seu filho pequeno. Quando o pai da criança e marido de Irene sai da prisão,um novo problema surge e o motorista se envolve para tentar ajudar a família da maneira que pode.
A entonação no geral é muito similar ao já mencionado “Valhalla Rising“, apresentando um protagonista quase calado, poucos diálogos e um ritmo calmo. Nessa empreitada pode-se facilmente dizer que quem se sai melhor é “Drive”, pois mesmo que um ou outro elemento não seja tão bem executado quanto o predecessor, de modo geral a experiência aqui é muito mais positiva por diversos outros motivos. Um deles é sem dúvida a administração da ação, que aqui é usada de maneira que o ritmo lento e os poucos diálogos não sejam penosos de forma alguma. Apesar disso, este filme nem de longe pode ser caracterizado como um exemplo do gênero Ação, pois o foco claramente não está em cenas características de filmes de Ação. O que acontece é simplesmente uma Direção mais competente de Refn, que aqui parece mais preocupado com a composição de sequências relevantes para o enredo do que com tomadas estritamente estéticas.
Isso não é dizer que este longa-metragem de alguma forma negligencia a parte visual, pelo contrário, as imagens ganham algo a mais em vez de substituir uma característica pela outra. Para ilustrar melhor, os visuais foram tão intensos e característicos que “Hotline Miami”, um jogo independente de 2013, reconheceu esta obra como uma influência direta e até agradeceu o diretor em seus créditos. Cores vibrantes e violência explícita são alguns dos elementos emprestados, cumprindo muito bem seu papel de tornar esta uma experiência singular, mesmo que não perfeita. Enquanto ainda pode-se argumentar que muitas das sequências sejam um tanto paradas, sua qualidade é mais notável, mesmo se apenas uma exposição técnica for considerada. Por meio de ações simples, como uma pequena caminhada do elevador até o apartamento, os esforços de Refn são percebidos; e por mais que a descrição do evento não dê início a nenhum surto de adrenalina no espectador, pode-se ver como através de uma modesta sequência de eventos uma coisa ou outra é dita sobre os personagens envolvidos, consequentemente levando o enredo adiante.
Entretanto, um ponto onde este longa-metragem desaponta em relação a obras prévias é o protagonista. Enquanto é quase irrefutável dizer que o personagem de Ryan Gosling tem uma pinta de galã e uma pose de misterioso caubói forasteiro, o mesmo não pode ser dito de suas habilidades dramáticas. Permanecer calado não parece ser uma arte difícil de dominar, só que menos palavras normalmente significa que a comunicação deve ser feita através dos atos; e Gosling não parece exatamente confortável nesta posição. A impressão passada não é sólida e o mistério rondando a personalidade do personagem não é exatamente dos mais positivos, ainda mais quando a referência é o bom trabalho de Mads Mikkelsen previamente. Uma coisa é uma pessoa ser de poucas palavras, porém até mesmo estas costumam responder quando falam com elas; ignorar perguntas inofensivas não passa um ar de mistério, só deixa o relacionamento com uma pessoa daquele tipo parecer mais absurdo. Não se sabe se o personagem é introvertido, se ele não gosta de gastar suas cordas vocais ou se ele é simplesmente incompetente nas artes sociais, o que se sabe é que o ator força a barra em diversas ocasiões ao tentar manter a pose de seu personagem.
Curiosamente, um paralelo chegou a ser traçado com o Noir, por pessoas que classificaram este como um Neo-Noir, mas francamente esta não foi bem a impressão que tive. Enquanto alguns elementos até se encaixem vagamente no gênero, a sensação que permanece é de um não pertencimento. Acho inclusive mais apropriado que esta obra seja comparada a um Faroeste, pois mais elementos do enredo se assimilam, tal como a própria conclusão que lembra a de “Shane“. Claro que o ambiente é totalmente diferente, mas a personagem feminina forte, o mistério, a sutileza e os diversos drinks também não se encontram em lugar algum. Independente de classificações de gênero, há diversas conquistas neste longa para serem aproveitadas. Um avanço perante as duas obras anteriores de Refn, “Drive” pode gabar-se por ter uma identidade bem definida e até influente: um filme calmo, com visuais vibrantes e cenas de impacto certeiro.