Quem viu a Segunda Trilogia de Star Wars, que conta a história de como Anakin Skywalker se tornou Darth Vader, provavelmente notou certas lacunas entre filmes, alguns anos que não foram mostrados nos longas. Entre “A Ameaça Fantasma” e “Ataque dos Clones” se passam 10 anos, transformando a criança do primeiro filme em um jovem adulto sob a tutela de Obi-Wan Kenobi. Fica subentendido que Anakin passou por etapas do treinamento Jedi nestes anos, algo que imagino não ser interessante o bastante para trazerem para as telonas, afinal de contas não acredito que ver uma criança aprendendo a manusear um sabre de luz seja lá um entretenimento de qualidade. Já entre “Ataque dos Clones” e “A Vingança dos Sith“, alguns anos também passam e algo mais acontece que um simples envelhecimento do elenco. O fim do “Episódio II” dá a entender que uma guerra terá início, enquanto o começo do “Episódio III” apresenta os momentos finais desta mesma guerra, restando apenas a dúvida do que diabos aconteceu entre os dois. “Star Wars: The Clone Wars” entra aí.
Ao ver a Trilogia Prequel, devo dizer que, apesar de faltar alguma coisa nessas lacunas, não acredito que a experiência do “Episódio III” sofra com isso. Independentemente disso, já era planejado por George Lucas explicar o que acontece neste período através de material do Universo Expandido. Após a descoberta do exército de clones em Kamino, a República se vê forçada a colocá-lo em ação quando os Separatistas fazem com que diversos planetas se virem contra ela. Assim tem início um dos conflitos mais devastadores da história da galáxia, popularmente conhecido como a Guerra dos Clones. Os membros da Ordem Jedi, antes defensores da paz, são transformados em generais e comandantes, usando sua disciplina como instrumento de estratégia e combate. Mas mesmo o que parece tão simples como um conflito pelo domínio político da galáxia tem sua profundidade nos detalhes, pois enquanto dois lados lutam pelo controle, uma força maior opera nas sombras e orquestra movimentos dos dois lados para seus próprios interesses obscuros.
Isso leva a um ponto digno de nota: ainda que muitos dos episódios de “Star Wars: The Clone Wars” possuam uma tonalidade mais leve e sejam apropriados para um público jovem, esta série é incrivelmente sombria. Durante sete temporadas, acompanha-se a evolução e desenvolvimento de personagens conhecidos de antes; os clones, antes só peões calados, mostram um lado humano, os tão poderosos Jedi sucumbem aos horrores do conflito e mostram um lado decadente que explica sua queda, até mesmo os mortos voltam à vida. E tudo isso para qual finalidade? No fim das contas, os eventos do “Episódio III” ainda vão acontecer, quase todos os Jedi da galáxia terão suas vidas encerradas pelos próprios clones que lutaram aos seus lados por tanto tempo. O seriado pode até parecer não ter sentido por esse ponto de vista, mas é justamente o contrário. Vale a pena, especialmente para quem achou abrupto o salto entre o segundo e o terceiro episódio, descobrir o plano de fundo para os eventos de “A Vingança dos Sith” por conta do capricho demonstrado no desenvolvimento do conflito em várias dimensões.
Em termos de caracterização e desenvolvimento dos personagens, “Star Wars: The Clone Wars” pode se gabar de fazer o melhor trabalho já visto na série até então. E embora esta seja uma comparação meio injusta pela série ter uma duração muito maior que todos os filmes juntos, isso não desvaloriza seus méritos narrativos. Finalmente se conhece um pouco mais sobre o plano de fundo de alguns personagens até então pouco explorados, como é o caso de Asajj Ventress e até do próprio Mace Windu, enquanto também se revela mais sobre figuras proeminentes, como o próprio Anakin e seu companheiro Obi-Wan. Muita coisa já era bem clara na Trilogia Prequel, a impulsividade de Anakin e sua amizade com Obi-Wan entre os maiores exemplos, mas o que antes era subentendido agora é visto; em vez de um fato presumido, há uma representação concreta e um desenvolvimento narrativo mais profundo. Até mesmo personagens novos são adicionados, diversos membros do exército de clones que agora recebem nomes, patentes, papéis no enredo e até mesmo uma personalidade até então inexistente.
Para o deleite dos odiadores de Hayden Christensen como Anakin, o personagem está muito bem caracterizado, uma vez que dominar uma animação depende de ferramentas atuação diferentes da performance de um ator sob a orientação de um diretor, envolve tecnologia e voz. Não é nenhum absurdo argumentar que ele e Obi-Wan tiveram um tempo considerável de tela na Trilogia Prequel, embora também não seja absurdo dizer que mesmo o que se viu nos filmes poderia usar alguns complementos. Entra aí a exploração da amizade entre os dois, visto em diversos episódios que abordam muito pouco tocado passado de Obi-Wan e que fazem a relação deles parecer ainda mais próxima. Ao retratar similaridades entre os eventos de vida dos dois, nota-se também como cada um lidou com o fardo de ser Jedi até chegar no ponto de cisão, quando Anakin começa a se afastar de seu companheiro e, por consequência, de uma das poucas coisas que o prendiam à Ordem Jedi. A outra coisa importante é sua Padawan Ahsoka Tano, de longe a maior adição de “Star Wars: The Clone Wars” ao Universo Expandido.
Já quando se fala em enredo, “Star Wars: The Clone Wars” peca por não trabalhar tal elemento com a mesma solidez que o desenvolvimento de seus personagens, com o enredo por vezes seguindo um caminho mais genérico enquanto o desenvolvimento era acumulado. O modelo seguido aqui é relativamente ultrapassado, tratando de um seriado de televisão moderno, pois em vez de usar a duração estendida de uma temporada para desenvolver uma grande e unificada história, decide-se seguir a abordagem de “aventura da semana” por um tempo longo demais. As três primeiras temporadas se resumem a arcos de história limitados a um ou dois episódios em vez de trabalhar com histórias mais longas. Um episódio foca em Anakin e os Jedi dominando algum front, outro aborda Padmé e o Senado, outro viaja para um planeta distante e então o próximo volta aos Jedi na guerra. A maior complexidade que se tem inicialmente é cerca de três episódios formando um arco de história, e mesmo alguns desses não impactam o enredo geral da temporada e da série inteira. Os episódios em si não são ruins, mas o problema é que com este formato vem uma consequência nem um pouco positiva: a falta de impacto de eventos pequenos e repetitivos. Todos sabem que é uma guerra e que ela só acabará quando um dos lados conseguir dominar o outro. No entanto, isso nem sempre parece estar minimamente próximo.
Por mais que os episódios sejam bons, não parece que alguns fazem diferença no final das contas, sendo o arco de três ou apenas um episódio. Padmé pode até ser sequestrada e levada para outro planeta por uma raça escravagista e, ainda que ela fique três ou quatro episódios sob tortura, no fim ela estará de volta ao Senado como se nada tivesse acontecido, como se o evento em si fosse pouco relevante para ela e para a história geral. Na primeira temporada, isto até é aceitável, pois até então muitos personagens eram novos e estavam sendo introduzidos aos poucos. Isso não justifica o mesmo modelo continuar por mais duas temporadas inteiras. Só muda a partir da quarta temporada, quando episódios passa a brilhar e mostrar que na Guerra dos Clones existe muito conteúdo interessante a ser explorado. Finalmente as coisas parecem engrenar, quando eventos passam a ter maior relevância e os episódios, uma conexão maior entre si. Algo que acontece na quarta temporada pode ser facilmente conectado aos eventos da quinta e até da sexta temporada, algo que não ocorria antes. Isso sem contar a melhora significativa dos arcos individuais em comparação aos já agradáveis exemplos vistos nas três primeiras temporadas. Não só os personagens são muito melhor desenvolvidos como também a história passam a ter maior relação com os eventos de “A Vingança dos Sith“, mais especificamente quando se trata dos motivos por trás da queda de Anakin para o lado negro.
Introduzido pelo longa-metragem de animação também chamado de “Star Wars: The Clone Wars”, este seriado foi ao ar durante cinco temporadas inicialmente lançadas no Cartoon Network. O único problema é que o seriado teve um fim abrupto quando foi cancelado sem uma conclusão adequada, evitando que o destino de alguns personagens fosse explicado e que o propósito de preencher a lacuna fosse cumprido. Quando Star Wars foi comprado pela Disney, “Star Wars: The Clone Wars” foi quase imediatamente cancelado para dar lugar a “Star Wars Rebels”, mesmo quando a quinta temporada tinha sido a melhor de todas as lançadas até então. As pontas soltas encontraram seu fim quando um leva de 13 episódios foi anunciada pelo Netflix, que resgatou o seriado do limbo. Isso foi em 2014, um ano depois da quinta temporada. E então aconteceu um milagre: seis anos depois, em 2020, o seriado foi revivido uma segunda para uma sétima temporada de 12 episódios, anunciada como final. A sexta temporada já havia fornecido um final satisfatório o bastante, mas a sétima surpreende por mostrar que ainda havia espaço para últimas explicações. As últimas pendências são enfim cumpridas e a história finalmente chega em sua máxima extensão, criando um ponte palpável com os eventos do “Episódio III“. Com três temporadas boas, apesar de um pouco superficiais, este seriado se redime ao entregar outras quatro temporadas claramente superiores em conteúdo e estrutura. Experiência extremamente válida para os dispostos a conhecer um pouco mais sobre um dos eventos mais importantes do universo Star Wars, uma vez que este seriado foi um dos poucos materiais a permanecer canônico após o anúncio do “Episódio VII“.