Até alguns meses atrás, eu considerava “Grease” a melhor experiência que tive assistindo a um Musical, superando até mesmo clássicos como “West Side Story”. Todo aquele clima caracteristicamente californiano e meu gosto pessoal pela banda “The Beach Boys” cooperaram para que eu gostasse tanto da obra. Mas isso foi antes de ver um trabalho tão dedicado como “Singin’ in the Rain”: não só um excelente musical mas também um dos melhores filmes da história. Assistir a esta magnífica obra é se surpreender primeiramente por não esperar algo tão bom e depois novamente quando o filme se supera vez após vez.
Entrando para o clube dos filmes sobre filmes, este longa apresenta uma história localizada no período de transição mais crítico da sétima arte: a chegada do cinema com som. Estrela do cinema mudo, Don Lockwood (Gene Kelly) vê seu sucesso aumentar com cada filme lançado. Mas quando “O Cantor de Jazz” é lançado como o primeiro filme com som, as regras mudam e as apostas são colocadas no que há de novo. Algumas estrelas começam a ficar para trás e outras descobrem um novo brilho em suas habilidades. Para Don, é um pouco mais complicado que isso quando ele se encontra preso entre mulheres de eras e talentos diferentes.
Um espetáculo é sempre bom, seja ele através do humor, efeitos especiais realistas ou músicas instantaneamente clássicas. Mas apesar destes acertos, é sempre mais interessante ver algo transcender ao espetacular. “Singin’ in the Rain” não traz apenas uma coreografia complexa aqui, um sapateado simpático ali e um punhado de músicas legais, mas uma relação íntima entre tais elementos vista em números musicais incríveis com um ponto de destaque especial: o trabalho de Gene Kelly e seu elenco. Integrando perfeitamente movimentos corporais, ritmo e melodia com outros elementos importantes, como fotografia e enredo, esta obra conquista o caráter de completude do qual tanto gosto, a característica das obras primas.
Não sou de soltar notas máximas de maneira alheia, mas “Singin’ in the Rain” merece sua nota por um simples motivo: Gene Kelly dançando. É quase ridículo ver como o ator faz sua performance parecer fácil; movimentos fluídos e rítmicos um atrás do outro, como se não fossem nada. Dançar no ritmo da música ou sapatear pode até parecer complicado por si, afinal não é um talento frequentemente visto por aí. E, na verdade, são habilidades bem difíceis de dominar. A graça deste musical é ver tanta complexidade e reconhecê-la ao mesmo tempo que atores a executam sem esforço aparente. Presenciar um número inteiro ser executado quase de uma vez é outro nível de competência.
Melodias cativantes associadas a uma imagem apropriada são sempre um deleite, mas em um gênero em que movimentos corporais são a essência do trabalho, tudo muda. Uma vez que a estrutura da obra frequentemente se baseia nos números musicais previamente planejados, é de se esperar que o nível de intimidade entre melodia e ação seja maior. É exatamente isso que acontece, só que de uma maneira diferente por conta do elenco ser tão inventivo na composição das coreografias. É o sucesso de “An American in Paris” mais intenso e frequentemente multiplicado por dois ou três, dependendo se Debbie Reynolds e Donald O’Connor estão em cena. Nenhum dos dois tem a mesma habilidade de Leslie Caron, mas isso não interfere porque eles mais do que conseguem acompanhar o ritmo do grande Gene Kelly.
Explorando um pouco mais sobre “Singin’ in the Rain”, pode-se notar que qualquer motivo para elogios é mais do que justificado. Kelly não aparenta ser um avatar de talento abençoado com o dom da dança desde seu nascimento. Por trás de seu sucesso nota-se uma cordilheira de montanhas de esforço, muito trabalho sustentando sua destreza evidente. O jeito como Kelly executa seus movimentos tão fluidamente pode parecer fácil nos olhos de um espectador desavisado, mas algumas das sequências que fazem deste longa-metragem tão grandioso certamente exigiram quantidades monumentais de prática e ensaio. Talvez não em preparação para o filme, porém o próprio fato de fazer parecer fácil é reflexo de anos fazendo aquilo.
O trabalho de direção, realizado por Stanley Donen e Gene Kelly, amplifica a percepção da complexidade das apresentações com cortes bem maquiados. De qualquer forma, não tira o mérito por trás da dificuldade em manter tomadas longas. A ação e os movimentos são capturados exatamente da maneira como foram concebidos, sem maquiagem nem estilização desnecessária. Sendo uma abordagem mais expositiva, quaisquer falhas acabariam sendo mais evidenciadas. Entretanto, isso é uma preocupação para trabalhos com falhas, coisa que “Singin’ in the Rain” não tem. A junção tão excelente de todos estes elementos faz desta obra mais que uma história bacana intercalada com grandes números musicais, é mais como se a dança fosse um elemento crítico para a própria progressão da trama. Ao invés de expressões faciais, diálogos brilhantes e emoção nos olhos dos atores, o elenco praticamente dança sobre qualquer método convencional narrativo. Como dito, um espetáculo por si tem seu valor, mas quando a dança e a música são tão magistralmente manipuladas para se tornarem algo espetacular, orientando a atenção do espectador para experienciar a história de um jeito novo, então diferencia-se uma atração explosiva de uma obra prima.
Saudosistas podem querer criticar este longa pela reutilização de músicas de outros filmes, o que é perfeitamente válido. Não tendo visto as obras em que as canções daqui apareceram originalmente, fica fácil falar que a maioria não tem traços de reciclagem. Apesar disso, acredito que reutilizar músicas e abordá-las de maneira diferente não seja crime algum. Considerando os sucessos de “Singin’ in the Rain”, é difícil apontar o dedo para algo e botar defeito, independentemente de originalidade. No que se refere à maneira como tudo é integrado e executado aqui, não há razão para desgostar de algo. Motivos não faltam para exaltar a excelência desta obra prima de Gene Kelly. Seja dançando, cantando ou contando uma história interessante, mas impressionando o espectador constantemente, este Musical não desaponta em virtualmente nenhum ponto. Sem dúvida é digno do aplauso que recebe até hoje.