Um dos filmes mais procurados do festival é curiosamente de um gênero menos popular, ainda mais em comparação com a ficção. “A Loucura Entre Nós” é um documentário sobre a realidade das pessoas com transtorno mental, mais especificamente as da instituição Criamundo em Salvador, Bahia. Como base também foi utilizado o livro homônimo de Marcelo Veras, psiquiatra e ex-diretor da Criamundo. Foi relatado pela produtora do longa-metragem que mais de 370 horas de filme foram gravadas, até que cortaram boa parte disso para chegar na versão de mais ou menos 78 minutos apresentada no festival. Quando a conclusão bate na porta, entretanto, o desejo por mais dessas horas de gravação fica mais do que evidente.
A primeira questão que surge acerca da obra em geral, é o seu propósito como um filme em si. Por mais que a produção e o cuidado com ela seja notável, é um tanto complicado extrair algum significado de tudo aquilo. Se o objetivo deste trabalho foi conscientizar, informar, ou até mesmo levantar novos pontos de vista, este ficou um tanto perdido no mar de imagens apresentado. Uma explicação em texto e narração não é exatamente o que se espera na hora de entender uma trabalho, mas inundar a tela imagens com pouco significado entre si está longe de ser uma alternativa funcional.
A maioria das cenas possuem isoladamente seu próprio significado, apresentando um novo olhar sobre a situação do indivíduo em questão. O que se nota, no máximo, é uma ligação entre sequências envolvendo as mesmas pessoas; ou seja, quando algum indivíduo abordado em uma cena anteriormente volta a aparecer. Entretanto, o que se nota é uma clara desorganização na disposição do material escolhido; que reflete também uma possível dificuldade de comunicação dos objetivos pretendidos. Se por um lado muitas questões tenham recebido um esclarecimento mais a fundo após o fim da sessão, quando o autor do livro-base respondeu perguntas; por outro lado há de se ressaltar que embora as respostas sejam bem ilustrativas, elas podem não representar exatamente o que se viu na tela. Considerando que o mesmo teve mais contato com o contexto da obra, pode-se dizer que suas respostas talvez sejam provenientes de sua experiência ou do que seu livro fala, e não tanto do que é exibido ao espectador.
Mas o que ainda permanece como questão mais crítica de todas, é a suposta falta de direção em cima do que é exibido. Não se sabe ao certo o que querem dizer com a obra: querem mostrar um pouco da realidade do paciente institucionalizado? Querem dar espaço para a expressão destes indivíduos? Querem criticar algum aspecto do sistema manicomial de hoje? Apesar de ser fácil levantar as perguntas, respondê-las com as imagens do filme já é outra história. Em especial, dois pacientes são explorados mais a fundo; e com isso se tem uma melhor noção da realidade de suas vidas dentro e fora da clínica psiquiátrica. Em meio a isso, outras cenas do cotidiano da Criamundo são mostradas em diversas perspectivas. Enquanto o resultado isolado de tais cenas gera frutos singulares, como cenas ilustrando a lógica cognitiva extravagante de um paciente psiquiátrico, no contexto geral elas não contribuem para um significado ou um propósito maior.
Amenizando um pouco as possíveis propostas de direcionamento do filme, pode-se chegar à uma concepção relativamente bem abrangente: apenas ilustrar o cotidiano de pessoas frequentemente estranhadas pela sociedade. Enquanto a proposição aparenta ser bem concisa e apropriada, ela traz consigo uma questão bem popular entre os profissionais da Psicologia. Dar voz ao paciente psiquiátrico, figura rotulada pela sociedade como louco, pode ser um esforço louvável; mas ao dar uma voz sem propósito, este filme cai no espectro da pretensiosidade. Sendo um assunto bem discutido e no mínimo polêmico, a situação dos pacientes acaba atraindo muita curiosidade; e o pecado está justamente nesse ponto, pois o que se preza não é a curiosidade, nem um desvio breve de atenção, mas sim o interesse da pessoa naquela realidade. Tais pacientes não são seres de outro planeta, são humanos com direitos iguais a qualquer outro.
Enquanto a imagem dos sujeitos retratados não chega a ser denegrida, este documentário também não faz nada para que um espectador curioso passe a ter interesse. Nem mesmo no caráter informativo os pecados são vingados, pois sinceramente o pouco explorado sobre a verdadeira realidade não ultrapassa o limite do senso comum. Os méritos vão para várias sequências soltas ao longo da progressão do longa, que isoladamente são cativantes, mas não somam para entregar algo mais profundo. Com potencial para ser um filme com muito mais substância, este documentário falha em apresentar uma proposta concreta, mostrando-se raso e infelizmente superficial em vários pontos.