Avaliado como um dos melhores filmes de ação de todos os tempos e dirigido por um consagrado diretor do gênero, esta obra abre mão de uma narrativa complexa para entregar emoções intensas sem fim. Tratado como o ponto mais alto da carreira de John Woo, penso que o resto de suas obras talvez não sejam tão boas assim, uma vez que este foi uma decepção grande o bastante. “Hard Boiled” foi uma experiência definitivamente enérgica, mas que falha em alcançar o patamar divino de sua fama.
Para se ter uma noção, a trama gira em torno de um policial durão que passa a ter problemas com seu chefe. O motivo dos atritos, entretanto, é que o policial anda matando tanta gente que acabou despachando um companheiro sob disfarce sem saber. Sem sucesso em descobrir quem são os disfarçados para evitar matá-los por acidente, Tequila (Yun-fat Chow) descobre um deles por acidente e passa a trabalhar com ele. Com tiroteios que ostentam exagero como sua qualidade principal, este filme pode ser bem descrito pelo naipe do ambiente onde a premissa toma base: uma Hong Kong de violência gratuita e armas de fogo com munição aparentemente infinita.
Embora não ter uma trama palpável seja qualidade comum às obras do gênero, as coisas saem um pouco fora de controle. Com um roteiro confuso e relativamente vazio, montado especialmente como estrutura para as cenas grandes de ação, este longa-metragem passa a depender quase exclusivamente de seus tiroteios para se sustentar. Entretanto, mesmo que não falte energia nas sequências super complexas e longas, as mesmas não são tão competentes como aparentam. Lançado muitos anos depois de grandes filmes de Ação já terem dado as caras, é de se esperar que algo excelente fosse trazido à mesa para justificar tanto alarde. A parte boa trazida por esta obra refere-se às elaboradas coreografias dos tiroteios, claramente emprestando uma coisa ou duas das obras de artes marciais lançadas anos antes. Um uso criativo do cenário e manobras acrobáticas dão vida aos embates do protagonista contra o crime, transformando cenas já intensas em demonstrações de testosterona ainda mais impressionantes.
O problema, que sabota quase todos os sucessos deste filme, é a aparente incapacidade de John Woo de variar suas técnicas de direção. Assim como uma criança que ganhou uma bola e está maravilhada pelo fato dela rolar, o diretor parece estar embriagado com o uso da câmera lenta. Praticando a mesma técnica quase durante o filme todo, Woo não larga o osso na hora de usar a câmera lenta em conjunto com uma troca de ponto de vista. Em literalmente todas as cenas um pouco mais elaboradas esta manobra é notada e, mais cedo do que o espectador gostaria, ela se torna batida e inefetiva. Motoqueiro tem sua moto explodida no meio de um salto? Câmera lenta e troca de perspectiva. Fuzilamento exageradíssimo fazendo a vítima voar longe? Novamente câmera lenta e mudança de ponto de vista. Apagando o cigarro na parede? Sem câmera lenta dessa vez, mas com certeza se tal cena existisse ela usaria tal efeito.
Porém quando o diretor decide colocar os pés no chão, metaforicamente falando pois tudo aqui é exagerado, a situação melhora e coisas boas começam a surgir. Embora a maldita câmera lenta ainda se faça presente, ela é um pouco menos usada; ou talvez a ação se torne tão boa que seu uso seja mais ignorável. A partir do último quarto de filme, a situação realmente esquenta e não para de até o final começar a rolar. Quando planos sequência são empregados para amplificar ainda mais a energia deste longa, a coisa fica realmente séria e uma das melhores sequências de ação de todos os tempos é gerada. Até naqueles momentos onde a intensidade diminui, funcionando como aquela típica respirada do gênero, os ânimos permanecem altos. Os defeitos não deixam de existir, pois elementos como roteiro e motivações ainda continuam bem precários, mas em algumas ocasiões os acertos são tantos que as falhas acabam varridas pra longe.
Sendo um filme de ação pura e crua, é um tanto injusto crucificar tal obra por não elaborar muito bem seu roteiro. Mas quando até mesmo o foco do longa-metragem, no caso a ação, é relativamente falho, fica difícil aproveitar totalmente esta suposta obra prima. O problema não são os projéteis que alteram a gravidade, nem as escopetas que causam explosões com cada disparo, mas sim a relativa incompetência do diretor de não deixar sua obra se tornar batida e desimaginativa.