Outro filme sobre os bastidores da indústria gigantesca que é o show business, esta obra segue mais ou menos a linha estabelecida por “Sunset Boulevard“. Obviamente há algumas diferenças críticas entre os dois, principalmente por um ter elementos definitivos do Noir, apesar de ambos possuem a mesma acidez na narrativa que faz deles tão característicos. Enquanto a obra prima de Billy Wilder aborda o impacto da transformação do cinema mudo em um cinema com som, este longa muda o cenário ao escolher o mundo dos teatros como plano de fundo para este fantástico trabalho.
A trama em questão aborda a vida de Margo Channing (Bette Davis), uma atriz quarentona de sucesso, e seu cotidiano dentro e fora dos palcos. Dentro dos teatros, Margo deleita-se com o amor de seus fãs, enquanto fora do palco sua personalidade excêntrica mantém os ânimos altos sempre. Mas algo diz que as coisas vão começar a mudar quando a inocente Eve (Anne Baxter) entra na vida de Margo como sua maior fã. Prefiro não falar mais sobre a trama para não avariar as surpresas do enredo. Devo admitir que inicialmente o filme foi um tanto chato, por ter sua trama introduzida por meio de uma narração quase tão agressiva quanto a introdução estilo documentário de “Citizen Kane”. Sei que é pouco conteúdo para apresentar um filme, e que o começo não é tão atrativo mesmo para quem mordeu a magra isca que é a sinopse deste longa; mas devo recomendar aos espectadores que apertem os cintos, pois vai ser uma noite turbulenta.
Logo de começo já fica bem claro quem é a tal malvada do título, mas o mais provável é que tenham simplesmente errado na tradução novamente em vez de pensar em um trocadilho interessante. Detentora de uma personalidade forte dentro e fora das telonas, Bette Davis por si já é motivo o bastante para alguém assistir este magnífico longa-metragem. Majestosa, excêntrica e devastadora, a personagem de Davis faz do teatro seu show enquanto Davis faz do cinema seu espetáculo pessoal. Sempre com um cigarro na mão e um drinque próximo, Margo desfruta de uma vida relativamente tranquila, que é agitada por sua própria personalidade singular: a atriz é amada pelo público e pela crítica, e faz de questão de mostrar a todos que sabe muito bem disso. Ninguém é capaz de parar um surto emocional da artista pois ela é Margo Channing e a vida é sua performance eterna.
Enquanto isso possa parecer uma fórmula ideal para um personagem interessante, fica ainda melhor. A personagem de Davis passa por ao menos uma reviravolta que faz muito pelo desenvolvimento de sua tridimensionalidade, transformando a já incrível personagem em algo ainda maior que o ego de Margo e seus devaneios de glória. Grande parte disso se dá por conta do roteiro magistralmente lapidado, que faz ótimo uso dos recursos disponíveis, estes excelentes por si, tal como a belíssima Bette Davis. Apesar dos primeiros momentos esquisitos, a trama logo adquire ritmo e começa a entregar um espetáculo de fortes emoções. Não há intervalo para descanso depois que a guerra começa, e o enredo faz muita questão que o espectador entenda isso.
Mesmo em uma joalheria lotada das jóias mais cobiçadas pelo ser humano, há aquela peça que chama a atenção, aquela que às vezes sem motivo específico conquista a pessoa. Provavelmente a relação seja um tanto extravagante em termos comparativos, mas dizer que as qualidades deste filme são menos valiosas que pedras preciosas seria uma subavaliação de seus dotes. Talvez não tão limpo quanto uma jóia, os diálogos desta obra não devem nada em termos de valor. Sempre com uma alavanca para uma nova frase de efeito, este longa-metragem é repleto de linhas de diálogo excelentes. Acredito que nem mesmo se James Bond, o rei dos bordões inteligentes, tivesse se frustrado com todas as garotas de seus filmes ele poderia escrever um roteiro com tanta acidez e perspicácia em conjunto. À disposição do espectador está uma demonstração magnífica de como entregar falas espertas, queira ele seduzir alguém, manipular, ou simplesmente atear fogo no circo por simples divertimento. Se este filme fosse um banquete, os convidados certamente sairiam completamente satisfeitos; e com bons diálogos servidos aos montes, a culpa por encher-se tanto seria simplesmente inexistente.
Inesperadamente um dos melhores filmes que já vi na vida, “All About Eve” mantém suas conquistas em um nível de qualidade que não deve nada ao igualmente excelente “Sunset Boulevard“. Um espetáculo com Bette Davis no timão, este longa-metragem entrega uma experiência magnífica com sua trama incrivelmente bem executada. Tudo isso apoiado pelos fantásticos diálogos, que sem dúvida alguma se mantêm a par dos melhores dos trabalhos de Billy Wilder, outro mestre dos diálogos inteligentes.