Considerado pelo próprio Fritz Lang seu melhor trabalho, “M” é uma obra de arte pioneira em diversos sentidos. Sendo um dos primeiros filmes com som bem avaliados da história, Lang revolucionou o modo de contar uma história ao associar sons a personagens ou partes específicas da trama. Ser pioneiro não quer dizer, porém, que hoje em dia a experiência não seja um pouco ultrapassada. As mecânicas empregadas aqui são revolucionárias para a época, mas atualmente se mostram arcaicas perante a modernização do Cinema. Felizmente, a evolução vista aqui é mais que o bastante para criar uma experiência mais agradável que grande parte dos filmes do Cinema Mudo.
Mesmo sendo revolucionário, “M” não é nem de longe apenas composto por conquistas históricas e tecnicalidades. O que faz este filme realmente se exaltar é o seu sucesso em contar uma história como nunca havia sido feito antes, excelentemente o bastante para influenciar obras futuras e superar o teste do tempo. Não só as mecânicas empregadas na narrativa criam chão para a gênese do Noir futuramente, como os temas debatidos mostram-se relevantes o bastante para gerar discussão até hoje. Em vários níveis este filme de Lang desbrava novos territórios, criando mais do que algo meramente novo, mas de qualidade para sustentar-se bem mais de 80 anos depois de seu lançamento.
Quando Lang anunciou que o nome de seu próximo filme seria sobre um assassino de crianças, o partido nazista bloqueou o acesso do diretor a um estúdio por achar que a obra se tratava de uma crítica ao partido. Tratando de um assunto no mínimo polêmico por retratar um assassino como protagonista, a trama deste filme se excede ao ir um tanto além da simples polêmica. A história se resume a população de uma cidade enfurecida com o fracasso da polícia em capturar um assassino de crianças. O porém é que quando a polícia finalmente passa a progredir com a investigação, uma organização de vigilantes decide fazer justiça com suas próprias mãos. O resultado é uma corrida para ver quem alcança o malfeitor antes, a polícia ou o grupo de criminosos que estão na caçada por um pouco mais que simplesmente dar o troco.
Mais do que simplesmente entregar uma trama envolvente, Fritz Lang aborda um tópico muito polêmico no desenvolvimento do enredo: a pena de morte e eficiência do sistema no tratamento de indivíduos mentalmente perturbados. Até hoje esse assunto é relevante nas rodas de discussão, levantando diversas sobrancelhas e servindo de material para diversos artigos acadêmicos. Pensando em como a cultura e o mundo mudou nesses 84 anos, é no mínimo intrigante que tal discussão se mostre tão notória hoje. Interligada a discussão está o clássico dos tópicos, a moralidade. Ao mesmo tempo que a crítica social é estabelecida, há uma interessante exploração da moralidade em um nível social. Indo além de abordar o senso de justiça de um ou dois personagens, “M” mostra como a consciência social funciona frente aos perigos à sua integridade. A polícia está fazendo seu trabalho, mas a população que se mobiliza age pelas vítimas? Pelas mães que perderam seus filhos? Ou apenas por si mesmos? Essa aura de atual talvez se dê pela trama tratar do ser humano e da mente, assuntos tão presentes no cotidiano que às vezes são dados como banais. Mesmo sendo estudados a fundo pela Psicologia, a mente será sempre o grande mistério da humanidade, o que consequentemente faz a questão nunca sair de cena.
O que me incomodou particularmente foi o sentimento de cansaço da obra em geral, provavelmente residual da era do cinema mudo. Se por um lado o uso de efeitos sonoros complementando a trama foi algo novo, não usar nenhum tipo de música ao longo do filme mostra-se como um retrocesso. Na era do Cinema Mudo muitos filmes possuíam trilhas magníficas, basicamente a ferramenta que fazia a diferença na hora de entregar uma experiência fluída. Aqui a música está longe de ser encontrada, e em momentos onde a trama dá uma desacelerada o filme simplesmente torna-se cansativo demais. O que finalmente impede que a experiência se arraste por quase duas horas é a qualidade da narrativa, fazendo até mais por esse filme do que pelas obras que influenciaria no futuro. Alguns movimentos apresentados na tela também carecem de um efeito sonoro apropriado, mas isto nem de longe incomoda tanto quanto a falta de música para acompanhar a trama.
Um dos filmes mais revolucionários de todos os tempos também exibe-se como uma jóia do teste do tempo, mantendo-se moderno mesmo 84 anos depois de lançado. Com o uso de efeitos sonoros, Fritz Lang passa a incorporar os sons na sua narrativa, fazendo deles mais do que um simples enfeite do que já existia no Cinema Mudo. Além de ser um dos primeiros trabalhos aclamados a usar o som, “M” também pode ser considerado o pai dos filmes Noir, se não um dos primeiros filmes do gênero.