Muito antes da lenda de “Chinese Democracy” dos Guns ‘N Roses existia “SMiLE”, sem dúvidas um dos álbuns mais lendários de todos os tempos. Tratado nos Anos 60 como o álbum que superaria o sucesso estrondoso de “Pet Sounds”, esta obra cancelada dos “Beach Boys” se manteve ausente da história de 1967 até 2004. Por anos não se ouviu falar nem mesmo uma palavra do Beach Boy Brian Wilson sobre “SMiLE”, que cortava o assunto ou o denominava inapropriado. Mas finalmente após 37 longos anos, o álbum viu seu tão aguardado lançamento. Contando toda a história de como o grande trabalho de Wilson saiu do papel e chegou ao público, este documentário oferece um ponto de vista exclusivo em cima desta grandiosa obra de arte.
Para ajudar na digestão de toda a crônica, uma parte da história dos “Beach Boys” é relatada, começando desde os anos de escola de Brian Wilson. Além de contar novamente o que muitos fãs da banda já conheciam, esta introdução oferece comentários do próprio músico sobre seu tempo pré-Beach Boys e como membro da banda. Além de satisfazer um pouco a curiosidade do espectador sobre o assunto, tais fatos apresentam um insight sobre a mente do artista. Nas palavras do próprio Wilson, pode-se notar como relações tenebrosas com seu pai influenciariam na maneira como sua cabeça funcionaria anos mais tarde. Entregues logo de começo, tais espiadas se exibem como ótimas ferramentas na compreensão dos eventos que acarretariam no engavetamento de “SMiLE.”
Assim como os “Beatles”, os “Beach Boys” também tiveram um começo de carreira de sucesso, porém com músicas tematicamente e liricamente pobres. Enquanto um grupo cantava sobre a garota dos sonhos e paixões adolescentes, outro abordava o estilo de vida americano nas quentes praias da Califórnia. O que tornou ambas grandes bandas, entretanto, foi a evolução musical que ambos tiveram em sua fórmula. Nos garotos de Liverpool tal mudança veio com “Rubber Soul” em 1965, já com os rapazes da Califórnia foi com “Pet Sounds”, sua obra prima de 1966. Recebido com certa dúvida pelo grupo, “Pet Sounds” foi levado adiante e eventualmente apontado como um dos melhores álbuns da história. “The Beach Boys” passaram a ser considerados reais adversários para os “Beatles” e como uma grande banda de seu tempo. Pretendendo manter o alto nível estabelecido por sua obra, Brian Wilson anuncia “SMiLE” como o sucessor que seria ainda mais revolucionário que “Pet Sounds” foi em seu tempo.
Através de uma série de eventos, o espectador tem a chance de acompanhar mais de perto como um dos projetos mais ambiciosos da história foi abandonado. Com comentários exclusivos de figuras como George Martin, Roger Daltrey, e Van Dyke Parks, se têm uma boa noção do que o álbum representava para as grandes figuras da época do ramo musical. Com a exploração do que causou a ruína da Mona Lisa dos “Beach Boys”, também são abordados os efeitos psicológicos que a obra causou em seu criador. Com a pressão aumentando e a recepção inesperada de seus colegas de banda piorando tudo, Wilson logo se vê em um turbulento vai e vem de saúde mental. Embora longe de ser um clássico exemplo da fênix que se ergue das cinzas, a trajetória de Brian até sua eventual reconciliação com o projeto é admirável e rende uma interessante história.
Cinematograficamente falando, esta obra peca na representação de eventos do passado, em especial no que se refere à parte de sua vida como Beach Boy. Gravações e amostras do projeto incompleto certamente seriam bem vindas, mas estas só seriam lançadas em 2011, 7 anos após o lançamento deste documentário e do próprio “SMiLE”. Em vez de gravações e amostras musicais da época em questão, temos uma série de fotografias que são apresentadas como fundo da narração. Apesar de serem imagens bacanas, dar zoom em fotos antigas não é exatamente uma demonstração de cinema de qualidade. Apesar de poucas, algumas gravações antigas são apresentadas, como as impressões do maestro Leonard Bernstein sobre a música pop e “Pet Sounds” em específico, enriquecendo significantemente o conteúdo do documentário. Mesmo errando no passado, é no presente que o documentário realmente brilha, apresentando cenas dos bastidores do renascimento de “SMilE” e como Brian lidou com o preço de carregar este peso morto por 37 anos. Vemos Wilson e a peculiar maneira como trabalha nos ensaios mais primordiais do álbum, elaborando ainda mais na parte mental do músico; e até mesmo Brian nos finalmentes da apresentação ao vivo do álbum quase quatro décadas depois, com direito a uma aparição interessante de Paul McCartney.
Apesar de apenas apresentar o ponto de vista de Brian Wilson sobre a história dos “Beach Boys” e do álbum em questão, “Beautiful Dreamer” não se mostra nem um pouco tendencioso. Até porque muitos dos assuntos abordados não possuem verdades absolutas em sua essência, além de não ser o que filme busca atingir com tal exposição. Pecando um pouco na parte cinematográfica, o filme compensa muito de seus erros com exposições exclusivas e intrigantes sobre a evolução de “SMiLE” e do estado mental de seu criador com o tempo. Válido especialmente para os fãs do trabalho de “The Beach Boys”, este documentário cumpre majestosamente seu papel como canal informativo sobre uma das grandes lendas da música popular.