Considerado um dos filmes mais polêmicos de todos os tempos, esta obra foi extremamente apedrejada por sua suposta celebração da vida criminosa e do assassinato, sendo considerada pela revista Entertainment Weekly o oitavo lugar na lista de mais controversos de todos os tempos. Além de levantar várias sobrancelhas ao redor do mundo, “Natural Born Killers” foi banido na Irlanda e teve seu lançamento atrasado em alguns países. Para completar, foi associado a diversos atos criminosos ao redor do mundo e considerado como inspiração ou influência do Massacre de Columbine, por exemplo.
A trama aborda a vida de duas figuras singulares, Mickey (Woody Harrelson) e Mallory Knox (Juliette Lewis), duas pessoas que compartilham um passado traumático e decidem sair pelos Estados Unidos em uma onda de assassinatos. Sem motivo aparente além da adrenalina de quebrar a lei, o casal sempre deixa uma pessoa viva para passar para frente sua história. Firme no rastro dos atos criminosos, a imprensa acaba criando uma legião de fãs para o casal ao glorificar tais crimes irresponsavelmente em seus noticiários.
Ao contrário de muitas críticas que dizem que “Natural Born Killers” longa engrandece e exalta a violência gratuita, acredito que justamente o contrário é mostrado. Realçando a disparidade entre conteúdo e sentido, muito dos valores semânticos desta obra estão contidos justamente na violência gratuita. Ao expor os horrores de maneira tão crua e gráfica, o crime em si não é glorificado, pelo contrário, o alvo é pintado na divulgação por parte da imprensa. Nem mesmo os criminosos são os alvos da crítica, pois suas atitudes são claramente e corretamente mostradas como resultados de um ser humano criado com valores duvidosos. Sem que se tente justificar, validar ou amenizar atos terríveis, introduz-se uma explicação que rastreia a culpa para além do indivíduo, retornando à criação deste durante a infância. Além da imprensa, o próprio sistema é colocado em saia justa quando toda sua fundação é colocada em jogo. Ao ser posto diante de algo fora do ordinário, o sistema se mostra quebrado e falho, inapropriado para cuidar e lidar de tais indivíduos incomuns. Se houve problemas desde o começo, com a família destes indivíduos perturbados, quer dizer que a lista de pecados do sistema vai ainda mais longe ao alcançar até mesmo a geração anterior.
Melhor do que apenas apresentar uma crítica sólida ao sistema e suas características, “Natural Born Killers” apresenta ao espectador uma janela com vista para a alma dos indivíduos perturbados. Com a fotografia e apresentação visual do filme, há uma série de amostras do funcionamento peculiar da cabeça de um assassino em série. Não, isto não é mais um daqueles documentários do Discovery Channel sobre psicopatas e a lógica por trás de suas atitudes. Aqui se vê um irmão distante de tal documentário, caso ele fosse dirigido por alguém mentalmente perturbado e sob efeito de entorpecentes pesados. Citando alguns dos elementos do arsenal extenso de ferramentas visuais, pode-se notar o uso de preto e branco, desenho animado, palhetas de cores vibrantes, ângulos extravagantes, filtros e até mesmo lentes diferentes. Apesar de parecerem poucos e simples quando listados, a variedade cria uma atmosfera imersiva e contagiante, mostrando bem a falta de lógica presente na mente assassina, como tudo aquilo é mais um jogo pervertido do que atos conscientemente maus num parâmetro socialmente padrão.
Além da criatividade envolvida na parte visual, Oliver Stone mostra que seus esforços são merecedores de mérito ao apresentar uma montagem inteligente de sua trama relativamente simples. Não há muita história para se contar quando o filme é analisado objetivamente, mas há uma riqueza peculiar em como Stone conta sua história. Recheado de sequências cinematográficas curiosas, “Natural Born Killers” apresenta peças como comerciais de televisão e paródias de seriados populares, que, de sua maneira, comunicam perfeitamente a peculiar visão do diretor sobre o cotidiano.Continuando sua crítica ao que é considerado comum e habitual, doses de humor ácido e sarcasmo são usadas como artifício para revelar o plano de fundo podre sob a realidades aparentemente correta.
Entretanto, o que realmente quebra a barreira divisória entre um trabalho competente e um trabalho inteligente é a sintonia presente nesses diversos aspectos. Fotografia, atuação, apresentação, montagem e roteiro possuem uma notável comunicação, que os liga firmemente e passa uma impressão ainda mais forte do ponto de vista apresentado por Oliver Stone. Ao adotar essas abordagens peculiares nos diversos elementos-chave da obra, Stone faz com que estas diferentes partes pareçam parte de um todo maior, sem que algum segmento seja díspar do resto em termos de entonação.
Através de uma apresentação no mínimo curiosa, “Natural Born Killers” pontua muito bem suas críticas ao sustentá-las em ferramentas visuais criativas e paródias inteligentes. Infelizmente, alguns elementos como a profundidade da trama e excessiva chacota presente em alguns personagens acabam atrapalhando a experiência por não aparentarem estar em sintonia com todo o resto, ainda mais quando colocados frente ao complexo trabalho na construção da parte estética e estrutural de outras partes da obra. Definitivamente uma experiência singular do cinema, ainda que com seus defeitos, “Natural Born Killers” merece ser visto ao menos uma vez na vida por seu jeito único de transmitir uma crítica que eventualmente foi enxergada como apologia ao crime. Possivelmente uma pista sobre a mesma imprensa criticada aqui.