“Oldboy” é um filme sul coreano baseado no mangá homônimo de 79 edições, lançadas entre 1996 e 1998. O longa também faz parte da “Trilogia da Vingança”, uma série de filmes em que as obras não possuem nenhuma ligação em termos narrativos, mas que foram dirigidas pelo mesmo diretor e possuem temas parecidos. Algo como a “Trilogia dos Dólares” ou “Trilogia do Homem Sem Nome” dirigida por Sergio Leone, na qual os filmes têm semelhanças estritamente temáticas. Por sua popularidade, dá até para dizer que este é o equivalente coreano de “Três Homem em Conflito”, tido como o mais popular de sua trilogia.
A história acompanha os eventos da vida de Oh Dae-su (Min-sik Choi), um bêbado que causa desordem e incomoda os outros sem motivo aparente. Após ser preso pela polícia e consequentemente solto por um amigo, o protagonista vê sua vida mudada quando é sequestrado e trancado em um hotel-prisão por 15 anos. Sem nem saber o motivo por qual foi preso em primeiro lugar, Oh Dae-su é solto sem nenhuma razão. Minutos após sua libertação, recebe uma ligação de seu captor e descobre que tem apenas 5 dias para entender o porquê de tudo aquilo e se vingar no processo.
Devo dizer que o começo desse filme é um tanto enganoso. O ritmo da narrativa e dos eventos em geral não avançam para nenhum lugar aparente, em grande parte porque eles demoram bastante para criar antecipação por algum evento posterior. Há uma grande confusão entre coisas muito convenientemente dispostas ou extremamente fora do lugar, sem nenhum conteúdo favorecendo a noção de progressão da trama. As coisas acontecem, mas não deixam exatamente claro o que diabos está se vendo. Os eventos vão simplesmente rolando sem mais nem menos. Sendo justo, a lógica desses eventos acaba sendo revelada mais adiante, mas nem isso compensa os pecados de uma primeira parte exageradamente lenta. O começo de “Oldboy” certamente não é um bom cartão de visitas para os sucessos vistos mais adiante. É justamente o contrário, um convite para quem tem costume de desistir de filmes na metade. Se o resto não fosse tão solidamente conduzido, recomendaria que este convite fosse aceito..
Pelos momentos iniciais, “Oldboy” se caracteriza como um longa-metragem de qualidade duvidosa se comparado com sua popularidade absurda. Para nossa alegria, a mágica começa a acontecer quando os eventos antes desconexos passam a fazer todo o sentido. Tudo que antes tinha se mostrado gratuito ou com propósito conveniente demais passa a fazer parte de um grande poço cavado a mão, representando a profundidade e o cuidado com que o enredo é construído.
Poesia de quinta categoria à parte, a trama é, de longe, o que mais chama a atenção entre todas as qualidades. Construída de maneira que as sequências finais causem um sentimento absurdo de surpresa, “Oldboy” mostra suas verdadeiras cores em seus momentos conclusivos. A surpresa vem do fato de praticamente todas as peças do começo adquirirem sua função mais adiante, ainda que não tenham criado um começo de filme muito empolgante. As pontas soltas são amarradas objetivamente, sem a necessidade de delongar-se em explicações entediantes. Afinal de contas, muitas delas se baseiam em sentimentos primordiais do ser humano: solidão, dúvida, insanidade, amor, paixão, desejo e vingança. Tais elementos só são tão bem ilustrados por conta das singulares atuações do elenco, que cumpre seu papel mais do que satisfatoriamente. Especialmente Min-sik Choi, cujo talento o levou a participar em produções americanas anos mais tarde. Não é para menos, também, pois seu retrato de um homem praticamente enlouquecido, mas ainda com parte da sanidade, não é nada menos que incrível. Assim como uma cebola, ele e outros personagens são descascados até sobrar a essência pura de sua humanidade. A parte crua, sem espaço para as máscaras usadas frequentemente na vida em sociedade.
Outra característica digna de nota é a crueza com que muitos fatos são apresentados ao espectador. Longe de ser algo negativo neste caso, a maneira como o diretor consegue transmitir tais cenas tão secamente e sem delongas é impressionante. Diferente de inúmeras outras obras do mercado cinematográfico, que exibem imagens gráficas por simples valor de choque, tais cenas são apresentadas aqui com a mesma falta de freios, mas com um significado por trás delas. Se alguém recebe uma machadada no meio do rosto, alguma razão é explicitada pela história. Por haver esta justificativa sensata, as cenas mais fortes acabam sendo assim não só por serem explícitas, mas também narrativamente impactantes. Quaisquer censuras nessas partes certamente seriam sentidas negativamente. Depois de vê-las dessa forma, sem freios, surge a certeza de que não haveria outro jeito melhor.
Um festival de significativas cenas grotescas bem encaixadas, atuações fortíssimas do elenco e um enredo muito bem construído, “Oldboy” só peca por não ter feito a mágica acontecer mais cedo. Tudo acaba adquirindo ligação com algo, absolutamente nada é gratuito e, ainda assim, o começo não deixa de ser entediante. Dá para enxergar o porquê escolheram um ritmo mais lento — é especialmente benéfico na ilustração do longo tempo de prisão — mas falta a mesma segurança de ser a melhor abordagem, como no caso do conteúdo gráfico. Caso a ligação de fatos tivesse ocorrido antes, ou caso o começo tivesse sido conduzido de forma mais sólida, “Oldboy” sem dúvidas seria ainda melhor. Do jeito como é, ainda é um grande filme.