Em 1992, a TriStar adquiriu os direitos de Godzilla para produzir uma trilogia de adaptações americanas e “Godzilla” foi lançado em 1998. Mesmo sendo um sucesso estrondoso nas bilheterias, o filme bombou explosivamente nas críticas, sendo negativamente recebido tanto pela crítica especializada quanto pelo público em geral. Isso fez com que os planos de uma trilogia fossem cancelados e as continuações transformadas em uma animação de TV. Um ano depois do longa americano, a Toho lança “Godzilla 2000: Millenium” para não deixar a marca negativa da produção americana manchar a imagem do querido personagem.
A trama usa o original de 1954 como um ponto de partida vago, sem ligação direta nem referência ao mesmo. Algum tempo não especificado depois da morte do primeiro Godzilla, um novo monstro surge. O começo deixa subentendido que ele já está em atividade faz um tempo, pois os protagonistas mantêm faz tempo a Rede de Predição de Godzilla, um escritório que acompanha os movimentos da fera para minimizar os danos causados por ela. Mais além, uma esquisita pedra gigante é encontrada no fundo do oceano, mais tarde revelando ser de origem alienígena. Essa pedra logo mostra ser uma nave especial, lançando um monstro sobre a Terra com apenas Godzilla para evitar a destruição do planeta inteiro.
Finalmente a Era Millenium tem início. Efeitos atualizados, mais orçamento e um claro avanço diante do que foi mostrado nas duas Eras anteriores, principalmente pela Showa. Os efeitos práticos são os melhores já vistos em toda a franquia até o momento. Quando miniaturas, cenários de verdade e fantasias são usadas, o filme brilha mais ainda que os da Era Heisei. O novo design de Godzilla também é uma novidade. Ele é um tanto diferente dos Godzillas das Décadas de 80 e 90 – bonitos, mas bem similares entre si – e dá início a uma rotatividade maior de designs do monstro, com cada um apresentando uma mudança mais notável do anterior. Com uma boca maior e espinhos compridos em tons de roxo, a Toho deu um belo tapa na cara dos produtores do “Godzilla” americano, mostrando que mudanças no design do personagem são muito bem vindas e que mudar a estrutura inteira do mesmo não é necessário, como foi feito em 1998. “Godzilla 2000” conserva a identidade clássica e muda o bastante para mostrar uma novidade, o caminho que o “Godzilla” de 2014 felizmente acaba seguindo.
E claro: sucesso com efeitos práticos contribui muito para o sucesso da ação. As cenas de luta entre os monstros impressionam e são muito bem executadas, chegando até mesmo a mostrar evolução das sequências vistas na Era Heisei em alguns momentos. Parte desse sucesso vem com a introdução de um monstro completamente novo, uma boa variada depois de tantas reciclagens de Rodan, Mothra, King Ghidorah e MechaGodzilla. Não dá para dizer exatamente o que este novo monstro é, mas sei que ele dá uma ótima luta com Godzilla, criada principalmente por meio de efeitos práticos. Além da batalha principal, é interessante ver que também dão atenção para os outros lados do Grande G. O começo dá uma boa apresentação a uma nova fase do personagem e as cenas que seguem a batalha são muito legais, mostrando a natureza destrutiva e imperdoável de Godzilla como a Era Shōwa nunca conseguiu fazer antes. Ele não é um herói, um anti-herói, uma força da natureza ou o misto ridículo de tudo isso visto em 1998, ele é uma criatura que age como age independentemente do que a humanidade pensa.
Por outro lado, “Godzilla 2000” bomba horrivelmente como nunca quando se aventuram a usar a computação gráfica. Mal dá para dizer que a computação gráfica envelheceu mal porque ela é horrível demais para imaginar que foi decente um dia. Ao menos houve bom senso ao não fazer o monstro principal ser representado por CGI o tempo todo, pois aí teríamos uma tremenda bomba. Tudo bem que os filmes da franquia são feitos com um orçamento relativamente baixo, e por isso mesmo uma consciência do que pode ser feito com tal quantia é muito importante para não fazer feio. Aqui esta consciência não existe. Há apenas uma demonstração incrivelmente vergonhosa da CGI, com cenas tão feias que o contraste entre os efeitos práticos e computadorizados quebra um tanto a imersão do filme.
Falando em quebra, isso é algo que “Godzilla 2000” faz com certa frequência. Além da quebra de imersão, este longa-metragem não possui um ritmo consistente; dando a impressão que o diretor não conseguiu decidir se faria um filme com um ritmo rápido ou lento. Há uma quebra constante de ritmo, seja ele lento ou rápido. Essa indecisão dá um aspecto esquisito e um tanto cansativo ao longa, sem instigar a palpitação do coração do espectador ou acalmá-lo o bastante para acompanhar o ritmo lento. Em um momento temos um prédio explodindo enquanto o personagem foge dele, apenas para a cena cortar para um diálogo lento ou uma cena com Godzilla fazendo nada de importante. O contrário também acontece, como quando se tem uma cena mais lenta e sossegada trocar para algo explodindo sem mais nem menos. Em vez de usa momentos calmos para pausar ou criar expectativa para a ação, ele apenas corta os melhores momentos nas piores horas.
Mesmo com suas falhas, “Godzilla 2000: Millenium” é uma experiência interessante que, além de inaugurar a Era Millenium, joga um belo balde de água fria na cara dos produtores do “Godzilla” de 1998. Aqui vemos que não é preciso mudar o design do personagem drasticamente, nem mesmo fugir da fórmula básica da franquia, para se fazer um bom filme. A ação chega a ser melhor que a vista antes, mas um ritmo inconsistente estraga um pouco essa parte. Felizmente a lição foi aprendida com “Godzilla” de 2014.