No verdadeiro Velho Oeste de anos atrás viveu uma figura de presença em quase todos os lugares em que foi; seja como pistoleiro, empreendedor, cafetão, caçador, barbeiro, oficial da lei ou jogador. Este sujeito é conhecido pelo nome de Wyatt Earp. Familiar? Apesar de ter sido relativamente famoso na época, foi apenas com a publicação de uma biografia altamente romantizada que Earp ganhou a imagem grandiosa que possui hoje. Visto como um dos heróis do Velho Oeste, Wyatt Earp também fez sua fama algumas vezes no cinema, como em “The Gunfight at the O.K. Corral”, “My Darling Clementine” e no próprio “Tombstone”.
O título pode enganar, mas na verdade Tombstone é o nome da cidade no Arizona onde os eventos que serviram de base para o filme aconteceram. Como dito, Wyatt Earp foi um cara de muitos ofícios, então foi uma questão de tempo até que suas aventuras o levassem até Tombstone. Além de novas oportunidades, ele encontrou um grupo de criminosos audaciosos, que tocavam o terror na cidade e ameaçavam seus habitantes a seu bel prazer. Descontentes com as maldades desse grupo, dois irmãos de Earp, Virgil e Morgan, tornam-se oficiais da lei e decidem colocar ordem no lugar. Atritos vão e atritos vem até que os bandidos ameaçam os Earps diretamente, culminando no famoso tiroteio do Curral O.K.
Antes de pontos técnicos positivos ou negativos, vale ressaltar o sucesso de um dos elementos mais evidentes: os visuais. Talvez seja uma moda iniciada por “Unforgiven“, mas, assim como a obra de Clint Eastwood, aqui também há uma fotografia bem agradável aos olhos. As imagens são apresentadas muito nitidamente e, apoiadas pela qualidade de imagem, são tão bonitas quanto poderiam ser. Tomadas dos horizontes vastos e verdes fazem sua parte na hora de introduzir o ambiente e de brinde entregam visuais realmente impressionantes; tal como nas cenas com a vegetação em primeiro plano e o resto do mundo ao fundo, sugerindo novamente influência da obra de Eastwood. Eu precisaria ver mais alguns faroestes da década de 90 para considerar este estilo de fotografia, se posso dizer, é algum tipo de moda, mas ao menos nesses dois casos temos esta como um ponto proeminente. O que posso dizer é que é um estilo relativamente incomum comparado às clássicas tomadas do Monument Valley em Faroestes clássicos, certamente vale a pena conferir.
Começando de uma maneira mais calma e com um ritmo mais sossegado, a trama estabelece uma tensão crescente e culmina no tiroteio do Curral O.K.; mais que o bastante para preencher a primeira hora de filme e até criar chão para o resto da história. Infelizmente, o próprio longa se sabota ao ter vários desses elementos da história estragados por algumas inconsistências da direção. Tudo parece acontecer tão rapidamente que a importância estabelecida se perde em meio a um ritmo tão absurdamente acelerado, os fatos vão se perdendo aos poucos. Ao menos dão uma amenizada nisso a tempo de salvar o que restou de um desastre, apresentando cenas bacanas que mal parecem parte da mesma bagunça criada anteriormente.
Essa complicação não dá as caras desde o começo, entretanto. No geral, a direção conduz bem o filme tanto esteticamente quanto em termos de conteúdo. Parte desse sucesso é notado na maneira como representam Wyatt Earp, que desde o começo é mostrado como um macho alfa do Oeste sem parecer forçado ou inapropriado. Assim estabelecendo um bom exemplo da tendência de vangloriar a figura histórica, coisa que o filme mantém até o final. Enquanto isso não é problema na maioria das vezes, em outras ela acaba fazendo pouco sentido e dá início aos primeiros deslizes. Uma coisa é criar um protagonista másculo, porém quando a plausibilidade dos eventos é sacrificada por um momento bacaninha de ação as falhas da direção ficam mais explícitas. Exemplo disso pode ser notado em uma cena na qual o clima era para ser dramático e o resultado passa longe disso. A atmosfera geral da cena em conjunto com a trilha sonora incompatível estraga completamente qualquer drama pretendido. É como se tocassem uma música triunfante no momento em que um algo triste acontece, por exemplo.
Ao menos os momentos bons de Earp são realmente bons. Kurt Russell entrega uma ótima interpretação do personagem e, do seu característico jeito, consegue incorporar bem a essência do pistoleiro. Outra forte interpretação pode ser encontrada em Val Kilmer, que está nas botas de outro famoso do Velho Oeste: Doc Holliday, um pistoleiro formado em Odontologia que foi muito amigo de Earp e o acompanhou várias vezes. Representado como o típico aventureiro inconsequente — modelo compartilhado por vários outros caubóis famosos do cinema — é muito difícil não gostar do personagem de Kilmer quando seus traços são tão carismáticos e sua interpretação tão forte. Sua personalidade forte e imponência nunca disputa diretamente com Wyatt Earp, ele é um tipo diferente de herói; cativa mais sendo o vira-lata habilidoso que o macho alfa. Sobre Virgil Earp dispenso comentários. A virilidade da figura de Sam Elliot é explícita demais para ser descrita com palavras, até porque ele não precisa de muitas para causar impacto. O fato é que após jogar “Red Dead Redemption”, fica quase impossível não associar o personagem Landon Ricketts com a imagem de Elliot como Virgil, certamente houve um quê de inspiração.
Apesar de conhecer a história de Wyatt Earp de outras fontes, “Tombstone” era um Faroeste relativamente desconhecido por mim até pouco tempo atrás; e de bom grado digo que este até que foi uma surpresa bem vinda para quem achou que o gênero tinha perdido fôlego depois de “Unforgiven“. Minando as qualidades do filme, as inconsistências na direção por vezes deixam o longa com uma cara esquista, deixando de lado o Faroeste por uma tendência de filme de ação. Ao menos o longa conta com um elenco de bons atores em bons papéis, além de erros em uma quantidade moderada para evitar que a experiência seja ruim.