“The Thing” é muitas coisas, certamente mais do que um filme de Terror dos anos 80. Ele serve como remake de “The Thing from Another World”, lançado em 1951, que, por sua vez, é adaptação de um livro chamado “Who Goes There”. Também é considerado pelo diretor John Carpenter o primeiro de sua Trilogia do Apocalipse — três filmes de temáticas parecidas, mas sem conexão de enredo — composta também por “Prince of Darkness” e “In the Mouth of Madness”. Em 2002 foi lançado um jogo que continua a história deste longa para PC, Playstation 2 e Xbox, ao passo que em 2011 um longa homônimo saiu nos cinemas como prequela para os eventos daqui. Muita coisa de fato.
A trama acompanha uma equipe de cientistas estacionada na Antártica que se vê confrontada por uma criatura alienígena metamorfa. Mais do que mudar de forma, a criatura assume a identidade de suas vítimas, criando um clima pesado de suspeita e atrito entre os cientistas. Prefiro parar por aqui no que se refere à história, pois, apesar da premissa ser conhecida desde o começo, a forma como ela é apresentada é surpreendente e imprevisível. Inclusive, este é um excelente adjetivo para caracterizar esta obra, pois por mais que o espectador tenha assistido muitos filmes de terror e até de outros gêneros, é incrivelmente difícil prever o que aguarda na próxima cena.
O diretor cria uma situação interessante com as cartas em mãos: a criatura assume a forma de suas vítimas perfeitamente. Não dá para saber onde ela está ou quem é o alienígena e com isso se cria uma constante tensão, um aditivo importante ao suspense do enredo. Por grande parte do filme, não há foco em apenas um personagem, ou seja, não há protagonista; destaque permanece na equipe como um todo ou em um grupo de personagens. Dessa forma, não há como procurar clichês para tentar adivinhar o que está acontecendo. Não há a garantia que o mocinho é o único que não pode ser o monstro, assim como não há um personagem especialmente mal para causar desconfiança.
Na questão das mortes e do comportamento do monstro, há um carinho especial nas sequências com a criatura antagonista. O alien não possui um modus operandi definido nem um processo padrão na hora de agir. Ao contrário de Freddy Krueger, que ataca nos sonhos, e de Jason Voorhees, não há um modelo a ser esperado. Logo, cada nova aparição da criatura é uma grande surpresa, investidas completamente novas que estão entre as mais criativas que já vi em um filme de terror. Literalmente, elas são dignas de diversos “Mas que porra é essa?” quando mostradas. Esta abordagem, somada aos designs variadíssimos e aos efeitos especiais excelentes, cria não só um clima tenso como também uma experiência visual sem igual. Feito há mais de 30 anos atrás, quando a CGI não era popular, este longa se mantém firme nos efeitos práticos. Devo dizer que das obras que fizeram ótimo uso de tais efeitos essa se mantém entre as melhores, se não a melhor.
Sendo assim, acho que fica claro que o ponto mais forte do longa-metragem é definitivamente o suspense criado por John Carpenter, que prepara a estrutura da história e a dispões os personagens de modo que amplifiquem essa atmosfera cada vez mais. Como dito, não há protagonista por um bom tempo de filme, até que lá por três quartos da duração R. J. MacReady assume o posto de personagem principal — interpretado muito bem por Kurt Russell e sua cabeleira e barba compridas no maior estilo Dennis Wilson dos Anos 70. Mesmo quando MacReady assume a liderança o suspense continua no ar, pois não há como saber quem está infectado e quem não está. Dessa forma, o espectador se vê o tempo todo em guarda, pensando em como o alienígena vai se manifestar ao mesmo tempo que procura saber quem é o traidor no meio da equipe.
Nem sempre o espectador fica no escuro, contudo, sempre há momentos de clareza. Nessas horas, quando finalmente parece que vai ficar fácil prever os resultados aparece um desfecho completamente surpreendente. Ao final de cada sequência, e até do próprio filme, temos tempo de respirar e processar o que diabos acabou de acontecer, mas o estado de choque permanece ali e dificulta qualquer tentativa de se tranquilizar. Sendo uma combinação de elementos de diversos gêneros, fica difícil categorizar o filme: há aspectos que vão desde o terror mais básico até o suspense hitchcockiano, com espaço para até mesmo algumas cenas de ação no maior estilo Schwarzenegger. Essa mistura de conceitos, emoções, sequências e designs faz de “The Thing” uma experiência marcante, uma vez que previsível é uma palavra que nunca se aplica.
No fim das contas, o espectador sempre se encontra de mãos tão vazias quanto no começo do longa. De forma alguma sendo algo ruim, pois não é. A combinação de elementos — como ambientes claustrofóbicos, paisagens desoladas e um inimigo único — cria uma uma atmosfera alucinante e uma tensão incrível. Tudo é manejado de maneira que todo e qualquer acontecimento seja executado com o maior impacto possível. Uma pessoa pode até não gostar de “The Thing”, mas é impossível terminá-lo sem se surpreender pelo menos uma vez.
2 comments
Em compensação o prelúdio foi uma lástima.
Gostei do texto, mas achei que o protagonista já fora sim evidenciado desde o início, recebemos mto mais características e lances do personagem MacReady do que dos demais.