“Gojira” é o primeiro filme da franquia de mesmo nome, que após seu lançamento deu origem a 27 continuações japonesas, duas adaptações americanas originais, além de séries animadas e aparições em programas de TV. A influência da franquia foi tanta que até hoje o monstro é um dos principais símbolos da cultura popular japonesa, além de pelo menos dois dinossauros terem sido nomeados com base em Godzilla e uma banda de Death Metal francesa ser chamada de “Gojira”..
Devo admitir que estava um pouco receoso pela qualidade dos filmes quando descobri que o monstro era alguém usando uma fantasia. Achei que, de alguma forma, a qualidade das batalhas sofreria com isso e em vez de algo empolgante seria algo tipo “Power Rangers”. Como nesta obra não há nenhum monstro opondo Godzilla, não há como avaliar a coreografia de batalha. Ainda assim, pode-se dizer que o comportamento do monstro pareceu bem natural em suas aparições, sem parecer alguém fantasiado fazendo movimentos ridículos enquanto quebrava uma cidade em miniatura.
Sobre essa questão posso dizer que fiquei bem impressionado. A qualidade das miniaturas e como são usadas é extremamente bem pensado e dificilmente parecem um cenário artificial. Com exceção de uma cena ou duas, nas quais abusam do bom senso do espectador, a qualidade dos cenários é muito superior ao esperado de uma obra de 1954. Tanto que George Lucas diz ter se baseado nos efeitos especiais vistos aqui para desenvolver os efeitos vistos na primeira trilogia “Star Wars”. O monstro em si é até bem feito, o problema estando apenas nos espinhos de suas costas; que provavelmente eram pra ser uma formação óssea, mas balançam como se fossem feitos de espuma e consequentemente dão uma impressão de fantasia barata. Creio que mesmo que o filme tenha seus 60 anos, poderiam ter dado mais atenção a um detalhe tão crítico, uma vez que se trata da figura de maior destaque da história.
A trama começa focada no elemento humano da trama, com apenas alguns acontecimentos que sugerem a aparição do monstro, mas nada concreto. Por um bom tempo se tem apenas humanos falando sobre Godzilla, enquanto pouco a pouco o monstro vai se revelando, até quando aparece completamente e a ação tem início. As sequências iniciais não chegam a ser ruins, pelo contrário, são até bem sólidas. Só que a falta de movimento na tela deixa o começo extremamente lento, ainda mais quando comparadas às cenas com o monstro, que as deixam um tanto anti-climáticas por serem tão devagar.
Ao menos essas cenas com humanos servem para montar um significado, que faz de “Gojira” mais que um filme de monstros e destruição. Por trás da origem do monstro há um simbolismo forte, que remete aos anos pós-Segunda Guerra Mundial. Hoje em dia, Godzilla é um ícone de briga entre monstros, mas o propósito inicial do primeiro filme é bem o contrário. O símbolo da besta de destruição procura refletir o sentimento japonês após o lançamento das bombas atômicas, que seria o sofrimento causado pelo holocausto nuclear e como ele se manifestou nos anos seguintes ao ataque.
Por um lado, esperava que essa mensagem fosse passada de maneira mais sugestiva durante a história. Porém os personagens fazem questão de apontar a relação entre o monstro e a bomba atômica através de diálogo expositivo, o que esfrega na cara do espectador o simbolismo pretendido. Talvez o significado não seria tão óbvio e o filme teria sido visto como pretensioso se essa decisão não tivesse sido tomada, mas ainda acredito que poderiam ter dito o que disseram de maneira menos direta. Por outro lado, a relação entre o monstro e a bomba, que não é mostrada no filme, mas é comentada pelo diretor, é extremamente interessante: o diretor quis fazer do Godzilla uma manifestação física da destruição da bomba atômica. E como foi a raça humana que criou Godzilla com seus testes nucleares, agora o mesmo se vinga de seus criadores por suas ofensas contra a natureza.
Ainda seguindo essa mesma linha, outros conceitos morais são trabalhados além do simbolismo nuclear. Há um questionamento em cima dos atos dos próprios humanos, que tomam decisões drásticas sem nem considerar opções como estudar e até entender os motivos do monstro. Mesmo que a criatura seja produto da ações dos humanos, seu ataque e a destruição que causa estão longe de serem gratuitos. A humanidade ataca o tempo todo e provoca o monstro, instigando o mesmo a revidar e destruir o que vê pela frente. De certa forma, há uma ironia nisso, pois por mais que o monstro seja retratado como vilão, toda sua vida é resultado dos testes com a bomba. Dessa forma é perpetuado o ciclo sem fim da humanidade novamente sendo responsável por sua própria destruição.
“Gojira” certamente foi uma surpresa em muitos pontos diferentes, principalmente pela eficiência em criar ambientes em miniatura, que resistiram ao teste do tempo e até hoje se mantêm bem feitos. Até o final do ano, pretendo terminar de ver todos os filmes da franquia japonesa e rever a nova adaptação americana desse ano. Apenas alguns da série me interessam muito, mas como sou meio bobo por franquias grandes, vou acabar vendo tudo. Fica a recomendação do primeiro filme, para os que não partilham da mesma empolgação frente a quase 30 filmes.