Faz uns bons anos que penso em fazer uma maratona da série “Hellraiser”, mas toda vez que começava eu já desistia no primeiro filme porque não o achava instigante o suficiente para continuar e ver todos os outros. Se o primeiro, frequentemente considerado o melhor, já não era grande coisa, então o que restaria pela frente? Já havia ouvido falar que as continuações eram notoriamente ruins e que algumas delas chegavam num nível especial de mau gosto. Tentei umas três vezes até que nesse ano finalmente decidi encarar a experiência completa, mesmo achando que o primeiro de fato passa longe de ser excelente.
Julia (Clare Higgins) e seu marido Larry (Andrew Robinson) se mudam para uma nova casa em um novo bairro. Para eles, é uma nova fase que começa depois de saírem do Brooklyn, mesmo que Julia não se sinta completamente à vontade com tantas mudanças. Explorando a nova casa, ela percebe que a última pessoa a morar lá era Frank (Sean Chapman), o irmão de Larry com quem ela teve um caso no passado. Ela decide explorar a casa e se vê atraída até o sótão, onde ela encontra o cadáver malformado e reanimado de Frank, que precisa de ajuda para voltar à vida e recuperar seu corpo depois de ser destroçado por demônios sádicos.
A primeira impressão ao assistir “Hellraiser” é perceber como Pinhead é uma parte tão pequena da história. Com sua inclusão na cultura popular como um ícone do Terror, sempre achei que ele era um tipo de protagonista ou antagonista principal dos filmes tal qual seus contemporâneos: Jason Voorhees, Freddy Krueger, Michael Myers, Chucky, entre outros. Por um lado, há a questão do começo de série, quando ainda não há uma identidade bem definida ou uma fórmula a ser seguida e por isso todo campo é fértil para novas idéias; por outro lado, há pontos que o roteiro claramente tenta explorar ou indica uma abertura que nunca é aprofundada, idéias superficiais que nascem e morrem da mesma forma sem agregar muito conteúdo. Um pouco dos dois lados é o que define “Hellraiser” como um filme interessante, porém falho e um pouco abaixo da estréia de outras séries de Terror.
A primeira parte que chama a atenção é como “Hellraiser” é de baixo orçamento e quase amador. Ou aparenta isso, pelo menos, pois embora o orçamento aqui tenha sido de 1 milhão de dólares, “Friday the 13th” foi feito com quase metade disso e parece muito mais profissional. O que talvez explique isso foi o fato de Clive Barker, autor da novela que serviu de base, não ter nenhuma noção ou experiência com direção cinematográfica, sua motivação era querer dirigir por ter ficado insatisfeito com outras adaptações de seus trabalhos. Outro ponto possível é boa parte do orçamento ter ido para os efeitos especiais, sobrando pouco para investir em bons atores. O que sobra, então, é apreciar o enredo pelo que ele apresenta de forma bruta, já que as sutilizas se perdem nas performances, os efeitos especiais, que de fato mostram resultado pelo investimento, e pelas portas que são abertas para as continuações desenvolverem.
Com isso, “Hellraiser” é imperfeito. Não vou dizer que é uma jóia bruta nem nada do gênero, ele poderia ser um filme de terror melhor do que é com alguns ajustes, mas imagino que o material dificilmente se tornaria algo grande fora de seu nicho. Por exemplo, os efeitos especiais são excelentes e, para mim, impassíveis de crítica. O departamento de efeitos práticos tem oportunidade de brilhar e de fato entrega em uma cena que consegue surpreender porque nesse ponto era difícil esperar que algo assim fosse surgir do nada. É uma conquista exclusiva dessa obra, que introduz seu vilão principal dessa forma gloriosa e ainda introduz o conceito central do enredo envolvendo a ressuscitação do vilão, que foge dos Cenobites que o prenderam muitos anos antes.
Mas os vilões principais não são os próprios Cenobites? “Hellraiser” possui uma reputação e tanto e isso precede até mesmo o original, tal como foi dito antes sobre outras séries de terror com elementos que posteriormente se tornaram famosos, mas ainda não existiam no começo. O direcionamento original de Clive Barker para sua história a princípio não envolvia tornar os Cenobites uma parte tão grande do universo, por isso pode soar estranho quando se assiste ao original e muitos elementos parecem pequenos, insuficientes e mal desenvolvidos. Pequena presença ou não, muito material fica de fora porque a idéia do roteiro de deixar coisas sugeridas ou subentendidas é o mesmo que deixá-las mal explicadas ou introduzidas. Nunca se explica o que são os Cenobites, para que eles servem, como funciona o pacto que é feito com eles, o que Frank buscava especificamente quando foi atrás da caixinha de quebra-cabeça ou qual a explicação para os demônios terem essa aparência distinta. Remete a algo como sadomasoquismo e bondage, que tem a ver com prazeres peculiares e extremos por sua vez, mas isso nunca é explicado e discutido aqui.
O mesmo sentimento de que falta algo é sentido em outros elementos. Os atores poderiam ser melhores e não há nenhum exemplo digno de nota que possa ser elogiado, que ainda são prejudicados por diálogos truncados e difíceis de engolir como genuínos. O que se encontra aqui, enfim, é uma introdução decente e apenas isso, além de insuficiente para um universo amplo que viria a ser explorado mais a fundo nas continuações. Há coisas demais que ficam de fora em uma obra tão curta, que poderia ter sido mais profunda com apenas algumas cenas a mais aqui e ali. Se não adicionar, talvez substituir cenas como o vilão tirando uma fatia de um rato porque sim.