Eu poderia começar esse texto dizendo que ninguém esperava um filme sul-coreano dentre os indicados a Melhor Filme no Oscar. E isso seria razoável em qualquer contexto normal ou mesmo pelo senso comum, já que não foi algo recorrente nos mais de cem anos da premiação. No entanto, a presença de “Parasita” ano passado e suas várias vitórias tornaram isso um pouco mais plausível. Além do mais, 2020 foi qualquer coisa menos um ano normal. Era de se esperar que algumas novidades ou anomalias, dependendo do ponto de vista, fossem aparecer. “Minari” é, de qualquer forma, um participante peculiar que chama a atenção dentre outras histórias mais tradicionais na competição.
Jacob Yi (Steven Yeun), um imigrante sul-coreano, trabalhou muitos anos como um operário de fábrica identificando o sexo de pintinhos. Centenas de milhares de aves passaram por suas mãos todos os dias até ele finalmente decidir mudar de vida e sair com sua família da Califórnia para o interior do Arkansas. Lá, ele comprou um pedaço de terra onde pretende ter uma plantação própria e começar a viver o Sonho Americano como ele deve ser vivido. É a oportunidade para ele, sua mulher e suas duas crianças mudarem de vida. Mas a transição não é tão suave e as dificuldades logo evidenciam os sinais de desgaste dentro da família.
“Minari” parece contar uma história familiar. O imigrante que decide sair do seu país pela promessa de sucesso em um novo lugar — mais frequentemente nos Estados Unidos — e enfrenta muitas dificuldades em seu trajeto. As coisas não saem exatamente do jeito que o sujeito imaginou ou como foi prometido a ele, e assim a nova realidade mágica se torna um inferno na Terra porque nem mesmo há com quem desabafar porque todos ficaram para trás no país de origem. Bem, essa obra de Lee Isaac Chung não segue esses pontos à risca, mas está próxima o bastante do clássico conto do Sonho Americano pervertido, das coisas que não dão tão certo assim e dos atritos culturais enfrentados por aqueles que caem de paraquedas num mundo novo.
Sempre que há um quê de familiaridade, o movimento natural é buscar as individualidades da obra para ver como ela se difere de todas as outras que vieram antes. “Grapes of Wrath“, por exemplo, toca numa ferida da história americana ao acompanhar um grupo de pessoas tentando sobreviver no momento econômico mais árduo da nação, um que seguiu um período de fartura e sucesso econômico, ironicamente. Não poderia ser mais claro em apresentar um contraponto infeliz para a propaganda número um da nação central do planeta, uma que perdura até hoje e faz brilhar os olhos daqueles infelizes com sua situação em seus países. Claro que os Estados Unidos vão trazer riqueza, luxo, sucesso e tudo o que parecia tão distante. “Minari”, então, traz essa dinâmica para uma família coreana na América dos Anos 80, buscando explorar não só essa subversão do estilo de vida americano mas também a vida dentro de casa e as relações familiares desses indivíduos, adicionando uma esfera a mais além da que os qualifica apenas como imigrantes num lugar estranho.
A dinâmica mais explorada a princípio envolve o casal interpretado por Steven Yeun e Yeri Han, os quais possuem discordâncias fundamentais sobre os planos dele de se mudar para uma fazenda no meio do nada. Ela não compra a idéia de sair da cidade e se mudar para longe da civilização, da praticidade e do conforto, mesmo que a vida urbana não fosse perfeita. Só que isso não muda nada, no fim das contas, pois “Minari” expõe uma camada extra sobre como funcionavam as famílias de uns 30 anos atrás, com a decisão importante sendo do homem e a esposa tendo de se adequar como pode, mesmo estando infeliz e podendo vocalizar isso sem surtir efeito. Isto é, resta a ela questionar as decisões apenas depois que elas foram feitas, reclamar com o homem que sente o ataque sobre si e tenta se defender justificando que seu plano é fazer a família feliz e independente. É uma clássica situação bem construída em que ninguém tem completa razão sobre o assunto e é possível defender ambos os pontos de vista.
Exceto por alguns. “Minari” está longe de apresentar uma circunstância em que todos os revezes ocorrem por mero azar, sem influência de escolhas ruins dos envolvidos. A falha do Sonho Americano dificilmente pode ser atribuída ao acaso, como se os personagens fossem apenas vítimas. Eles só o são de suas próprias ambições. Eventualmente, mais um personagem chega para incrementar o elenco com uma adição elementar na forma de Yuh-Jung Youn, que traz doses diferenciadas do drama familiar com um toque extra de divergência geracional para apimentar o arranjo, mas não do jeito previsível. A obra demonstra versatilidade de tom ao introduzir humor com a nova personagem na narrativa dramática e por vezes serena demais. Assim como o resto do elenco, impecável, a atriz se destaca por ser um pouco mais natural, por assim dizer, em seu papel. Talvez fosse mais confortável para ela estar na posição de um personagem mais descontraído, todavia o sentimento é de que ela transparece maior autenticidade em comparação com parte do elenco que se leva a sério demais.
Entretanto, nem a força do elenco é o bastante para equilibrar uma história que muitas vezes soa contemplativa demais, calma e lenta, sem pressa de progredir ou atacar o desenvolvimento da história. Parece que “Minari” está mais do que tranquilo em sua cadência, como se houvesse tempo de sobra para seguir com o enredo mais adiante, assim podendo se dar ao luxo de ir vagarosamente. Mas como acontece com todo procrastinador, uma hora as obrigações o alcançam e ele se perde; nesse caso, havendo um ar de filme inconclusivo e de falta de direcionamento do enredo, especialmente de uma curva dramática engajante. Claro, não digo isso como se toda obra devesse seguir a mesma curva padrão, mas deve, sim, haver alguma dinâmica, uma alternância e uma construção que prenda o espectador à experiência. Isso não acontece aqui, infelizmente.