Woodstock é o festival mais popular no mundo inteiro sobre o movimento hippie e contracultura. Infelizmente, outro festival realizado nos Anos 70 e 80 no interior de São Paulo, também pautado no movimento hippie, é pouco discutido: o Festival de Águas Claras, que aconteceu em Iacanga, mais precisamente na Fazenda de Santa Virgínia. Um documentário resgata a memória deste acontecimento e hoje está disponível para que todos conheçam o que foi e o que representou este evento. “O Barato de Iacanga”, de 2019, é um filme obrigatório para fãs de música. Dirigido e roteirizado por Thiago Mattar, o longa inicia com o embrião da ideia de se realizar um festival, partindo de uma contextualização do momento histórico brasileiro e mundial até o surgimento da ideia em si, além de retratar com muitas imagens de arquivo as quatro edições do festival em 1975, 1981, 1983 e 1984.
Um aspecto importante e que merece destaque é a montagem. Para um documentário com tantas imagens de arquivo, conseguir conversar e estabelecer uma narrativa fluída com entrevistas atuais e vídeos passados, mostra-se extremamente importante o trabalho conjunto de diretor e montador. E foi o que Mattar e Guilherme Algon fizeram, este último sendo montador e roteirista do documentário, junto de Mattar. O excelente trabalho deve ter sido desgastante, já que há muitas imagens de arquivo e tem de se criar uma linha de raciocínio em que as imagens atuais das entrevistas conversem com as antigas de arquivo. O trabalho de pesquisa de conseguir tantas imagens de arquivo e documentos antigos, como jornais, cartas e fotografias também tem de ser destacado, tendo em vista que essa riqueza de material só engrandece a obra.

(Edição de 1981 do Festival de Águas Claras)
O documentário não mostra somente um ponto de vista sobre o festival, como traz diferentes pessoas de diferentes linhas de pensamento para falarem como foi, o que acharam e onde estavam quando o festival aconteceu. Por um, seria muito cômodo para o diretor trazer somente pessoas que exaltassem o festival. Na contramão disso, Mattar traz ideias de pessoas com outros pontos de vista e não faz juízo de valor, deixando isso para quem tem de fazer mesmo: o espectador.
Historicamente, o festival foi muito importante e grandioso. Afinal, em plena ditadura militar, juntar artistas de calibre nacional como Gilberto Gil, Erasmo Carlos, João Gilberto, Raul Seixas e Luiz Gonzaga é um grande feito, quem dirá em um festival hippie para mais de 100 mil pessoas — total aproximado das 4 edições — e a mais de 300km de São Paulo, em uma cidade do interior. Iacanga foi um festival que não tinha a pretensão de ser grande no início, porém com o passar dos anos se fez gigante. Antonio Checchin Junior, mais conhecido como Leivinha, o criador do festival, é quem mais tem tempo de tela, afinal foi quem idealizou tudo e tirou a ideia do papel. Suas entrevistas e frases são essenciais e não participam da dinâmica infeliz da frase explicar a imagem sendo mostrada, a imagem complementa a frase e vice-versa. E não há só Leivinha, mas também outros integrantes importantes do festival como Hermeto Pascoal, Claudio Prado e Elici, a irmã de Leivinha.
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(João Gilberto chegando ao Festival de Águas Claras, em 1983)
“O Barato de Iacanga” é um documentário que destrincha as quatro edições do Festival de Águas Claras, tem aproximadamente 1h30 e não é cansativo. A direção, roteiro, edição, fotografia, som e produção fazem um trabalho fenomenal que é representado na qualidade vista na tela. Assim como Raul Seixas fala em uma das imagens de arquivo: “Viva a sociedade alternativa!” A última edição do festival pode ter sido em 1984, porém sua importância não deve ser esquecida ao longo dos anos, por isso a importância do documentário de Thiago Mattar. Um filme rico, com personalidades da história da música brasileira e de grande importante para os interessados na cultura nacional: isso é “O Barato de Iacanga”.