Depois de entrar no radar do grande público com “Thor: Ragnarok“, Taika Waititi retorna com “Jojo Rabbit”, uma sátira dramática sobre um garotinho fanático da Juventude Hitlerista. Pelo trailer, pelo nome e pelo material promocional em geral, já dava para perceber que o material era seu “cup of tea”, emprestando o termo inglês. É exatamente o tipo de história que se pode imaginar o diretor contando, o qual também assina o roteiro premiado com o Oscar. Parece ser também o filme perfeito para os tempos atuais, em que fascistas percorrem as ruas em um reinado de terror e ódio. Ou algo assim.
Johannes Betzler (Roman Griffin Davis) tem dez anos de idade e é um membro orgulhoso da Juventude Hitlerista, um grupo de jovens entusiastas pelo regime de Adolf Hitler que aprende desde cedo quais são os valores adequados de um cidadão ariano. De táticas de guerra até doutrinação política, os garotos e garotas aprendem a diferenciar um alemão de verdade do resto da escória do planeta, incluindo os judeus e seus poderes de dominação mental, suas mentiras e maquinações malévolas. Só que Johannes é tudo menos apto para a maldade e tenta compensar com empolgação o que não consegue conquistar com os músculos e força de vontade, o que lhe dá o apelido pejorativo de Jojo Rabbit. Apenas a presença de seu amigo imaginário, Adolf (Taika Waititi), dá forças para continuar firme em suas crenças até mesmo quando ele descobre uma judia morando escondida em sua casa.
“Jojo Rabbit” começa muito bem. O garoto se prepara para o acampamento com outros jovens nazistas, tentando se inspirar ao máximo para parecer o mais alemão quanto pode, o poder do sangue puro emanando até ele finalmente se sentir pronto para cumprir seu destino. Ele veste o uniforme, ajusta a postura, grita “Heil Hitler” até ficar em êxtase e sai correndo pela rua enquanto toca “Komm Gib Mir Deine Hand” — versão alemã de “I Want to Hold Your Hand” cantada pelos próprios Beatles. É uma entrada e tanto que promete uma história bem interessante pela frente e deixa claro seu tom. A idéia é tirar sarro de algumas — talvez todas — as crenças radicais dos alemães do partido nacional socialista da época. Tudo bem, não é como se guerra e sátira fossem incompatíveis porque alguns exemplos de sucesso no passado mostram como o casamento é possível.
Mas é justamente nesse começo que os piores momentos de “Jojo Rabbit” se apresentam. É possível ver onde Taika Waititi quer chegar, fica claro até demais a ponto da piada parecer forçada e até perder a graça por usar os ingredientes mais óbvios para criticar as convenções da ideologia. No acampamento, o líder anuncia as atividades do dia de um jeito quase tão engenhoso quanto fazer a mesma coisa com comunistas e dizer que eles vão ter uma oficina de como fazer greve e depois comer criancinhas no jantar. E é infeliz que estas sejam as cenas predominantes no trailer, pois elas pintam uma imagem desanimadora de um filme que não é tão imbecil quanto seu começo. Não o tempo todo, pelo menos.
Os únicos momentos que sobram de bobagem absoluta ficam a cargo do próprio Waititi interpretando a versão imaginária de Hitler. Não dá para evitar a vergonha alheia em alguns momentos de humor debilóide como às vezes se vê em “Thor: Ragnarok“. Colocar Hitler como um bobão é, bem, pouco inspirado. No seu pior, tem toda a inventividade de uma fantasia de carnaval de rua, espalhafatoso e ridículo porque sim. No seu melhor, traz o toque de absurdo na medida certa para criar uma situação cômica sem tocar no óbvio do óbvio com alguma tirada tosca. “Jojo Rabbit” tem maior sucesso quando consegue alinhar a percepção de mundo infantilizada de uma criança com algumas balelas prepósteras derivadas de crenças que o regime proliferava. Dizia-se que os judeus eram egoístas e ladrões com sangue vil, responsáveis pela humilhação alemã e o fracasso econômico no fim da Grande Guerra. E como todo telefone sem fio, isso eventualmente chega nos ouvidos de uma criança de uma forma distorcida, com ela querendo saber se eles têm chifres, cauda e se dormem pendurados como morcegos.
“Jojo Rabbit” faz ao jus ao seu título encontrando no protagonista o seu melhor lado. Roman Griffin Davis traz ao papel o paradoxo emocional de uma criança como ele é. Há um lado simples na falta de experiência, que reflete numa compreensão limitada do mundo, um garoto que não sabe ao certo o que amar ou o que é o ódio, o que acontece ao redor social e politicamente. O outro lado traz uma pureza de sentimento sem as máculas da racionalidade adulta interferindo naquilo que se chama de inocência. Griffin Davis é o avatar da tragédia do povo alemão para com o povo alemão, o que as vontades de uma nação fizeram com os próprios membros dela através de ideologias forçadas e dessensibilização da juventude. Comparável a ele há apenas o melhor amigo do personagem reforçando esse último ponto a respeito da inocência corrompida e Sam Rockwell como um oficial nazista desiludido. Só a apreciação pela performance de Scarlett Johansson se mostra um enigma quando seu fraco sotaque alemão é a qualidade mais evidente. Parece ser mais um caso de confusão entre mérito dramático e literário por conta da cena mais dramática envolver a personagem sem depender da interpretação.
Queria poder dizer que “Jojo Rabbit” foi decepcionante, mas a expectativa nunca foi alta em primeiro lugar. Depois de um começo atrapalhado, ele consegue reconquistar o espectador ao mostrar que suas falhas não têm número para sobrepor as qualidades. Um artigo, por exemplo, apontou que sem o humor esse seria um draminha de guerra como muitos outros e há um pouco de razão nisso. Talvez não como os outros porque, essencialmente, o enredo é bom e se sustenta bem sem as piadas e é o maior responsável, junto com Griffin Davis, pela manutenção do interesse da audiência. A ironia é que o mesmo humor dos pontos altos é também fonte dos pontos mais baixos, com Rebel Wilson ocupando o trono de personagem mais ignorável e de zero valor cômico da obra.
2 comments
Caio, eu fiquei pensando aqui: será que Hitler é retratado como um “bobão” por ele fazer parte da imaginação de uma criança? O Jojo com a inocência dele a respeito do Nazismo não poderia imaginar um Hitler sério.
Então. Acho que faz sentido por esse lado, só não justifica algumas cenas serem sem graça. haha Acho que teria como ser bobão engraçado, tipo ele oferecendo cigarro toda hora. Abs!