“It” é o filme de terror de maior bilheteria de todos os tempos. Inusitado em tempos de baixa para o gênero, com as audiências cada vez menos tolerantes para os clichês de histórias já contadas centenas de vezes ou experiências pobres centradas em sustos recorrentes. O nome de Stephen King traz peso, sem dúvida, e o livro-base é referência freqüente quando se fala em terror envolvendo palhaços, reputação reforçada pela adaptação horas para a TV de 1990, mesmo de qualidade duvidosa. Independentemente de sucesso, a primeira parte da readaptação do livro também deixou a desejar e acabou por desempolgar pela segunda parte. Felizmente, “It Chapter Two” se sai um tanto melhor que seu predecessor.
Depois que o grupo dos Otários finalmente superou seus medos e afugentou Pennywise (Bill Skarsgård) em seu próprio covil, pensando que ele estava derrotado para sempre, cada um segue seu caminho e a maioria sai de Derry para buscar suas vidas em outros lugares. Apenas Mike (Isaiah Mustafa) fica para trás para descobrir que 27 anos depois o palhaço voltaria para fazer novas presas entre a nova geração da cidade. Mike entra em contato com os únicos que sabem a verdade, os únicos que sobreviveram e podem fazer algo a respeito. Os Otários voltam par Derry uma última vez para dar um fim à Coisa definitivamente.
O primeiro detalhe a se notar, um que pode se mostrar inesperado como foi para mim, é a duração de 170 minutos, 15 a mais do que o primeiro capítulo. Apenas a segunda metade da história já tem quase a duração inteira da adaptação original para televisão, algo que pode significar uma maior riqueza de detalhes na releitura de um livro de 1100 páginas ou uma indulgência resultando numa perda total de brevidade. A surpresa a respeito da duração veio quando saí da sala e vi que haviam se passado quase 3 horas desde o início da sessão. Eu estava muito atrasado para o trabalho. Normalmente isso não acontece porque durações de até 2 horas e meia ainda permitiam aproveitar a cabine de imprensa e chegar no horário. Ao menos foi essa a fonte de surpresa. Seria muito pior se durante a sessão “It Chapter Two” se mostrasse tediosamente arrastado, sem justificar sua duração. O tempo passa sem que se perceba. Quase, na verdade. Apenas um momento ou dois são cansativos e lembram o espectador de como a cadeira do cinema é confortável e perfeita para um cochilo. Definitivamente não é uma impressão dominante.
“It Chapter Two” se exalta por mais do que isso, naturalmente. Apenas ser fluído e não cansar o público é pouco mérito, já que diversos filmes fracos ou ruins se mostraram experiências dinâmicas, de acompanhar sem esforço. O conteúdo da segunda parte é melhor do que a versão alternativa de “Stranger Things” vista antes. Sim, “It “foi escrito em 1986, décadas antes da série dos Irmãos Duffer, mas não é de todo errado afirmar que a nova adaptação aproveitou a onda de sucesso para trazer mais uma história de um grupo de crianças dos Anos 80 enfrentando um perigo sobrenatural. Um dos problemas da primeira parte é administrar o tom de uma história envolvendo elementos intuitivamente contraditórios como crianças e violência. As melhores cenas eram justamente as que demonstravam a falta de escrúpulos de Pennywise na escolha de suas vítimas, começando pelo pobre Georgie. Já as piores envolviam certa infantilidade incompatível com outras seqüências, claramente fora do lugar e pior executadas por não saberem integrar a inocência e a impotência da juventude organicamente.
A parte boa retorna, a segunda é ajustada. Talvez o fato da obra ser centrada principalmente nas crianças crescidas, 27 anos depois dos eventos originais, seja a solução de ouro para este problema. Já não há mais lugar para uma imbecilidade tamanha como a guerra de pedras no riacho. Os personagens estão todos crescidos e levam a situação mais a sério do que nunca, relativamente. Um dos conflitos secundários envolve a incerteza dos Otários em honrar seu juramento de infância de retornar para enfrentar Pennywise caso necessário, uma boa incrementação da premissa principal de retornar para terminar um trabalho do passado. Honrar uma promessa remete ao passado e “It Chapter Two” não esquece dele. Toda a história parte de um ponto estabelecido previamente, que, mesmo estando em um filme mediano, é tratado com reverência e até certa nostalgia nessa continuação, algo como uma constante presença invisível do passado na vida dos personagens adultos. Por sua vez, o espectador não precisa concordar com o carinho pelo passado; isso não acontece comigo e também não impede de que o passado seja um dos melhores elementos do filme.
Flashbacks inseridos estrategicamente levam o espectador de volta para o tempo em que Beverly (Jessica Chastain), Bill (James McAvoy) e os outros eram moleques. As cenas fortalecem o laço emocional dos adultos com suas vidas de antes e quase fazem mudar de idéia a respeito do que realmente foi visto no filme anterior. É de se pensar que talvez fosse melhor ter ficado com apenas “It Chapter Two”, já que ele deixa perfeitamente claro o que aconteceu entre o grupo e Pennywise, qual o relacionamento entre seus membros e até mesmo eventos específicos como o abuso do pai de Beverly e a culpa e Bill a respeito de Georgie. Arrisco dizer que o primeiro filme poderia ser ignorado, pois todas as informações essenciais se encontram no segundo.
O maior problema é que novamente a mecânica principal parece ser a exploração e representação visual do medo. De fato Pennywise é a encarnação do medo das vítimas em incontáveis formas, adaptando-se para causar tanto temor quanto possível e acabar por se alimentar disso. Entretanto, existir uma explicação narrativa não muda a impressão de que esse é o único truque da história como um todo, partes um e dois. Os personagens têm fobias, receios e arrependimentos. Quando a insegurança toma conta e o monstro age, começa uma seqüência inteira centrada nas particularidades de um indivíduo e assim por diante. Uma boa parte das 2h50 de “It Chapter Two” envolve a mesma coisa de antes, alguém enfrentando seus medos em uma ilustração visualmente intensa. Não é uma idéia ruim, ela apenas se enfraquece por ser a matéria-prima de uma estrutura que depende da repetição dela. Os caminhos tomados na execução são melhores, sem dúvida, ao passo que a idéia central permanece simplista.