Finalmente, um filme curto. É freqüente parar para escolher algo e encontrar de no mínimo 2 horas de duração, às vezes 2 horas e meia e em alguns casos até chegando nas 3 horas ou mais. Grandes histórias trazem grandes durações, é dito por aí, enquanto nem sempre é o caso. “Bad Day at Black Rock” dura exatos 81 minutos e não é menos por isso, pelo contrário, sua reputação cresceu e se manteve sem deixar que isso fosse impeditivo de qualquer coisa. Nunca se pensa que poderia haver mais disso ou daquilo em tal trecho da história porque realmente não há necessidade. Brevidade narrativa é um mantra tão honrado que chega a ser a principal qualidade aqui.
A cidade de Black Rock é quase uma anomalia urbana no meio do nada. O número de habitantes pode ser contado nos dedos, são os mesmos rostos em todo lugar todos os dias invariavelmente. Quando o trem expresso faz uma parada incomum no lugar, as suspeitas se elevam imediatamente. Quem desce é John J. Macreedy (Spencer Tracy), que já chega fazendo perguntas em seus primeiros momentos na cidade. Hostilizado tão logo que pisa no chão, ele se mostra curioso e a população não se mostra aberta. Problemas surgem quando a intromissão do forasteiro toca em segredos delicados das pessoas ali.
Para não dizer que não há problema algum com “Bad Day at Black Rock”, Spencer Tracy está um tanto velho para o papel. O ator sempre aparentou mais idade do que tinha desde mais jovem e isso não mudou na idade mais avançada. Aqui ele tem 54 anos em uma história que se passa em 1945, fazendo o papel de um homem que acabou de retornar da guerra. É de se pensar qual era sua patente para alguém parecendo ser tão velho. Mas tudo bem, esse é só um pequeno defeito de caracterização externa que não arruína as conquistas de uma boa performance, algo que pesa bem mais no final das contas.
Talvez Tracy pudesse ter sido um coronel ou general, sendo isso mera especulação porque a história sequer entra no mérito de especificar isso. Mais importante é sua personalidade e como ela leva os habitantes de Black Rock a ficarem com o sangue fervido. Dentre todos os tipos de conflito, sendo o aberto e físico o mais comum, o de personalidades é um dos mais satisfatórios. Quando bem executado, é quase possível ver as nuvens de veneno pairando sobre o ar quando os personagens se cruzam e trocam palavras. Macreedy praticamente não faz nada para ninguém e desperta o ódio mesmo assim. Essa é a manifestação invisível de uma atuação sutil, a incorporação das características de personalidade no jeito do indivíduo. É algo que um detalhe físico não representa, sendo visto na postura, nos olhares e no tom de falar. “Bad Day at Black Rock” pode se gabar de ter um protagonista com a autoconfiança que tira outros homens supostamente másculos de seus eixos.
O motivo por trás do bom funcionamento das coisas é simples: escolher bem os jogadores. Black Rock é uma cidade à moda antiga, talvez o bastante para criar certa confusão a respeito do gênero e dar a idéia de que “Bad Day at Black Rock” é um Faroeste. É bem fácil achar isso porque todos se vestem como caubóis, a estrutura da cidade é praticamente uma avenida principal com algumas construções de madeira e o ambiente em volta é o típico deserto americano. O ano é 1945 e o tempo da expansão ao Oeste, da caça aos índios e da Guerra Civil já se foram faz tempo. Mesmo assim, parece continuar reinando a lei do mais forte, na qual tem razão aquele que permanece vivo. Então surge um personagem tranqüilo e racional, apenas fazendo perguntas sobre algumas coisas que quer descobrir sem saber que está se metendo nos assuntos secretos de trogloditas.
“Bad Day at Black Rock” traz dois lados com interesses diferentes e eis um conflito, matéria-prima básica de uma boa história. Spencer Tracy, para além da aparência, traz consigo um sentimento de segurança que afronta diretamente aqueles que se escondem atrás de uma imagem de masculinidade inabalável. Ironicamente, isso apenas mostra como o segundo caso se trata de uma armadura de vidro, temerosa de qualquer ameaça porque cede fácil a qualquer impacto. Uma cabeça fria contra cabeças quentes que esquentam mais ainda por conta da outra não esquentar também. É uma situação de perda-perda: manter a postura tira os outros do sério e perder a cabeça é jogar o jogo deles e talvez perder. Não há saída fácil e, conseqüentemente, tudo fica mais interessante.
Ainda mais porque o lado opositor, por mais que possa ser definido como o avatar da ignorância sustentada pela agressividade, conta com um grupo de atores competentes em expandir tal conceito dominante do coletivo apresentado. Sim, é um tipo de mentalidade que deixa a lógica de lado porque sabe que este caminho trará sua ruína e ela se aplica a todos os antagonistas. Alguns se destacam de um jeito mais manipulador e com um pouco mais de articulação verbal, como o líder do grupo de Robert Ryan, enquanto outros possuem uma qualidade de capanga do vilão principal, mais burro e atrapalhado e com um forte na agressão física, alguém como Ernest Borgnine. Por mais simples que seja uma análise do grupo, não deixa de ser um antagonismo com certo carisma quando há bons atores envolvidos. Apenas mais uma peça na construção do grande, conciso e eficiente conflito de “Bad Day at Black Rock”.