“On Golden Pond” é a reunião tardia de grandes astros. Talvez o maior motivo por trás da fama do filme seja justamente esse, já que é o último papel de Henry Fonda, que estava com 76 anos, e um dos últimos de Katharine Hepburn, com 74 na época. Não só isso, como é a primeira vez em que contracenam. Quem não gostaria de ver dois dos maiores astros de seu tempo em idade avançada e com seus talentos tão refinados quanto poderiam estar, interpretando personagens compatíveis com suas idades e usando de experiência de vida real para os papéis ao invés de maquiagem de envelhecimento? É uma rara oportunidade de acompanhar um período único de suas carreiras, uma vez que nem sempre atores continuam trabalhando em idade avançada e muito menos ganham prêmios, como acontece com ambos Hepburn e Fonda.
Norman Thayer Jr. (Henry Fonda) e sua esposa Ethel (Katharine Hepburn) finalmente chegam em Golden Pond para seu retiro de sempre, descansar as pernas numa cabana no meio da floresta e sair para pescar às tardes para depois repetir tudo de novo nos outros dias. Era pra ser uma viagem como qualquer outra, mas desta vez Norman completa seu octogésimo aniversário e sua filha, com quem ele sempre teve uma relação conturbada, está para chegarjunto com seu atual namorado e o filho dele, Billy Ray (Doug McKeon). O clima é pesado, como sempre, e o velho casal tem uma surpresa quando descobre que Billy passará um tempo sozinho com eles enquanto os outros viajam para a Europa.
“On Golden Pond” traz um formato reconhecível. São poucos personagens em um mesmo ambiente se relacionando e aprendendo algo através do convívio diário. Típico de uma peça de teatro e, não surpreendentemente, o filme é adaptação de uma lançada dois anos antes. Isso naturalmente significa um foco maior nos personagens e em seu desenvolvimento, afinal de contas não há graça em acompanhar quase duas horas das vidas de indivíduos rasos e estereotípicos. Os primeiros momentos da obra já dão uma idéia perfeita do que vem pela frente. Aliás, a primeira frase pronunciada por Norman já diz tudo sobre sua personalidade quando sua mulher fala empolgada sobre o canto das aves dando-lhes as boas vindas e ele responde que não ouve coisa alguma. Eis o clássico velho ranzinza de opinião majoritariamente negativa ou ácida sobre a maioria das coisas; passou a vida toda desse jeito e depois, na velhice, tal postura apenas se calcificou. Sorte a dele sua esposa ser tão compreensiva e gentil, talvez o único coração bom o bastante para aturar a teimosia espinhosa do marido.
Uma bela combinação! Mas não é tudo. “On Golden Pond” traz outros elementos com participações pontuais e diretas para extrair outros lados dessas personalidades aparentemente conhecidas. Cada personagem tem certa função, felizmente bem oculta, e momento de ação, quando sua participação finalmente demonstra propósito e denota tanto a competência do roteiro de criar um momento relevante como a dos atores de transcender a impressão inicial criadas por eles mesmos.
Não há como dizer diferente: “On Golden Pond” é um espetáculo de personagem e performance. O maior chamariz da obra ser a presença de sua dupla de protagonistas não é à toa e realmente ostenta seus maiores méritos em seus esforços. Tudo bem, a história não é a mais sutil no tocar do aprendizado de lições de vida e como isso acontece, porém ela é também muito mais do que isso. Cada momento que passa traz um pouco mais sobre cada indivíduo, um pedaço não de informação fria, e sim algo mais sensível do que perceptível, algo como conhecer novas faces de uma mesma pessoa. Não há nome para isso além do genérico: conhecer o indivíduo. A experiência aqui envolve exatamente isso, um processo simples tratado com a naturalidade necessária para um sentimento de fidedignidade que só os melhores dos atores conseguem transmitir. Saber aproveitar os momentos de virada como oportunidades de aprofundamento de personagem sem depender de exposição excessiva, pois é neles que se enxerga além do velho ranzinza e a velhinha querida.
Costuma-se dizer que os Anos 80 foram um tempo de acentuação de tudo aquilo considerado americano, quando a cultura viu suas características intensificadas e reproduzidas num movimento quase auto-celebratório. Não surpreendentemente, inseguranças morais-religiosas ligadas à sexualidade da população jovem tomaram forma bruta no Terror, o clássico orgulho patriótico americano se viu na explosão do gênero Ação e assim por diante. Com os números em alta, idéias logo se tornavam convenções e as cópias saíam aos montes. Aconteceu dessa forma também na música e a trilha sonora de “On Golden Pond” não foge à regra. É um caso especialmente relevante porque as melodias são as principais responsáveis pelo maior problema da obra, ironicamente afetando justamente o elemento central e mais importante para o sucesso do filme: o drama. Sendo um exemplo puro de filme do gênero, é imperativo que o drama funcione para a experiência ser aproveitável, logo qualquer deslize nessa área é rapidamente notável.
Não é só culpa da trilha sonora. Seu papel é notável, porém muitas vezes ela apenas piora uma cena que já desrespeita o princípio da fluidez vagarosa numa relação, a qual começa conturbada, hostil e logo se converte para algo diferente conforme os personagens resgatam valores humanos através de seus laços. Não dizendo que isso não pode acontecer, tudo depende da velocidade da transição de um estado para outro, o que pode caracterizar um melodrama se tudo correr rápido e convenientemente demais. Pode até ser bem evidente que uma melodia de piano animada aliada a um passeio de barco no pôr-do-sol seja a culpada pela cena como um todo soar sentimentalmente plástica, mas não se pode esquecer que alguém pensou no contexto antes da música existir. Seja como for, permanece a impressão de que a trilha de “On Golden Pond” como um todo parece apenas um produto genérico dos Anos 80.
“On Golden Pond” me chamou a atenção no passado por vários motivos, dentre os mais recentes estando uma entrevista do diretor Mark Rydell num livro sobre direção de atores — “Friendly Enemies” de Delia Salvi. Ele falava bastante sobre seu estilo de direção e como foi o trabalho neste filme. Foi mais que o bastante para satisfazer meu interesse acadêmico e também para me instigar a ver todos os planos mencionados em ação. Encontrei o que esperava nas interpretações, principalmente, e até no enredo em geral. A sublime primeira parte é elementar na sustentação narrativa do filme e até mesmo ajuda a segunda parte, a trama bruta, a funcionar melhor porque o roteiro gira em torno das relações entre personagens. Mesmo assim, nem a melhor comunhão dramática entre atores é mais forte que o roteiro e seu poder de justapor duas cenas e criar um significado novo a partir dessa ordenação. Poderia ser melhor nesse quesito, ainda que isso não ofusque outros méritos.