“John Wick” surgiu mais ou menos do nada. De repente um filminho traduzido como “De Volta ao Jogo” no Brasil sai nos cinemas e faz as pessoas falarem dele, então ele é lançado em plataformas de streaming e mais gente fala dele. Dos comentários, vários comentavam sobre ser algo diferente de várias outras obras genéricas ou plenamente ruins estreladas por Keanu Reeves. Sim, era um filme realmente com o ator. Três anos depois, “John Wick: Chapter 2” continua a história do primeiro evitando cometer o pecado máximo de ser uma continuação pouco inspirada tentando extrair mais dinheiro do sucesso original e, mesmo com alguns problemas pontuais, mantém o nível de seu predecessor ao mesmo tempo que abre caminho para uma terceira parte: “John Wick: Chapter 3 — Parabellum”.
A decisão controversa de John Wick (Keanu Reeves) de assassinar seu alvo dentro do espaço do Hotel Continental finaliza uma missão e começa outra: uma de sobrevivência. Ele sabia que era explicitamente proibido qualquer tipo de agressão ou assassinato dentro do hotel e é excomungado de sua ordem por consequência, o que coloca um prêmio milionário em sua cabeça. Todo assassino no mundo passa a ficar sabendo da grande recompensa. O atendente de metrô, o pedestre na rua, o indivíduo de terno e óculos escuros e até o mendigo pode ser alguém querendo faturar o dinheiro. Infelizmente para eles, Wick não é um alvo fácil.
Assistir a “John Wick: Chapter 3 – Parabellum” me fez pensar nos três filmes em retrospecto e como eles aparentemente foram ficando cada vez melhores, com o terceiro se colocando acima dos dois anteriores como o melhor. Isso está apenas parcialmente correto. Lembrando agora, “Chapter 2” realmente tinha cenas de ação mais ambiciosas: várias eram mais longas e ambientadas em locais com diversos elementos práticos a serem integrados ao combate, além de toda a parte estética ter recebido mais atenção que os tons frios e escuros do primeiro. É o melhor que poderia se esperar, certo? Relativamente. Ao mesmo tempo que tudo isso representa uma evolução, o roteiro cede muito espaço para a ação em detrimento da história, que passa a tratar o protagonista como um tipo de super-herói para aguentar todas as grandes cenas planejadas.
Bem, “John Wick: Chapter 3 – Parabellum” dificilmente parece uma solução para este problema porque sua premissa é baseada principalmente na ameaça de todo e qualquer assassino da cidade. Isso significa uma cena de ação envolvendo um cidadão aleatório que revela suas intenções tão logo que vê o protagonista passando na rua e assim por diante, com vários outras pessoas tentando agarrar o prêmio ambulante. É muito parecido com a idéia prévia de priorizar a ação e esquecer que Wick tomou uma dúzia ou mais de murros na cara, que foi atropelado, cortado, apunhalado e todas as coisas inventadas pelas cenas de ação, o que resultaria num personagem abatido e, no mínimo, cansado. Pelo menos aqui não se comete o mesmo erro e ele começa o filme como terminou antes, longe de seu ápice. Realmente parece que ele passou por muito e mesmo assim é forçado a lutar por sua vida.
E ele luta, luta e luta. Tudo que se pode imaginar de bom vindo dessa série aparece com mais algumas adições interessantes a fim de não tornar a experiência batida, embora isso seja difícil com a direção limpa de Chad Stahelski fazendo o ótimo trabalho de deixar os movimentos visíveis e compreensíveis. Até mesmo um cavalo passa a fazer parte do arsenal do protagonista em suas lutas no maior estilo “True Lies“, assim como os objetos mais ordinários e outros nem tanto são usados porque qualquer novo lugar se torna cenário de uma nova luta. John Wick tem que improvisar e dar um jeito de sobreviver com o que estiver disponível. A alternativa é a morte. Mais brutalidade e menos paciência definem bem a filosofia de um personagem que não pode se permitir o luxo de meia dúzia de novos inimigos chegarem enquanto ele enfrenta outra meia dúzia. “John Wick: Chapter 3 – Parabellum” não tem dó alguma e lança um castigo atrás do outro em um homem que apanha e apanha mais. Ao final do filme, chega a ser um prazer extra ver quantos painéis de vidro ele quebra em tão pouco tempo.
Difícil de passar despercebida é a cinematografia de “John Wick: Chapter 3 – Parabellum”. Esse já tinha sido um aspecto melhorado em “Chapter 2“, marcante principalmente por sequências como a luta dentro da boate, e aqui é elevado a um patamar ainda mais alto de refinamento. É algo muito perto do melhor que se pode esperar de fotografia urbana, aquela normalmente vista no trabalho de fotógrafos que conseguem faz uma esquina qualquer com tráfego, pedestres, luzes de postes e semáforos e todo o resto da banalidade parecer muito mais atraente do que é de fato. Chega a nascer a vontade de morar numa cidade em que o cenário seja tão vibrante como o da foto, mas é claro que se trata de talento de composição e manipulação das imagens, não um lugar em que as cores são mais saturadas e as luzes conversam entre si numa comunhão de beleza. Se assistir motoqueiros perseguindo um cavalo pela cidade no meio do trânsito já é interessante, ver imagens também agradáveis aos olhos e ao bom gosto é um ótimo bônus.
Além de ser o mais belo esteticamente, “John Wick: Chapter 3 – Parabellum” tem também a melhor ação e até a melhor história. Por mais simples que ela seja, consegue ser funcional e eficiente em sua tarefa de possibilitar uma longa corrente de cenas de ação sem que isso seja gratuito ou que roube espaço de outras coisas que importam mais. Ao mesmo tempo que há muito tempo gasto com faca na costela e tiro na cabeça, também se explora mais a fundo o submundo dos assassinos conforme John Wick tenta a todo custo encontrar uma forma de sobreviver à onda interminável de homicidas gananciosos. Tudo bem, perto do clímax há um ponto de levantar sobrancelhas e o final perde a chance de ser melhor, porém nada disso é grande coisa que impeça este de ser o melhor dos três filmes.