De onde saiu esse filme? Parece que o primeiro trailer de “Pokémon: Detective Pikachu” caiu de pára-quedas para deixar as pessoas na êxtase súbita de descobrir algo novo de Pokémon num estilo novo. Já não sei mais quantos longas-metragens existem de Pokémon, devo ter assistido até o terceiro ou quarto, mas o ponto é que todos foram animações no estilo do seriado de televisão. Esta nova produção chamou a atenção principalmente por usar atores reais e computação gráfica para recriar os monstros num estilo mais realista. Claro que nem todos gostaram, boa parte do choque causado se deu por conta daqueles que acharam o projeto, a estética e todo o resto uma grande porcaria.
Tim Goodman (Justice Smith) mora com a avó e tem pouquíssimo contato com seu pai, um detetive da polícia que mora na grande cidade de Ryme. Seguindo sua vida de sempre em um emprego comum e sem nenhuma relação com pokémon, o garoto recebe a notícia de que seu pai sofreu um acidente grave e provavelmente morreu. Ele parte para a cidade de Ryme para lidar com a situação e se assusta ao encontrar o Pikachu (Ryan Reynolds) de seu pai, que curiosamente sabe falar e só pode ser entendido pelo garoto. Juntos, os dois partem em uma missão para investigar as circunstâncias mal explicadas do acidente do pai de Tim, uma vez que o Pikachu estava no acidente com ele e também havia sido dado como morto.
“Pokémon: Detective Pikachu” é um filme infantil. Sim, vários marmanjos de 30 anos ou mais fizeram parte dos espectadores alucinados com o anúncio, atônitos para ver Pokémon de novo no cinema depois de jogar todos os jogos de Game Boy, Nintendo DS e por aí vai. Mas eles não parecem ser o público-alvo aqui, o que não é problema se souberem o que esperar. Primeiramente, a nostalgia de limitar-se à primeira — e talvez segunda geração — de pokémon não existe. Não é porque Pikachu, um dos personagens principais da história, faz parte da primeira leva que todos os outros também são, é apenas uma decisão óbvia de usar o monstro mais popular de todos os 151 iniciais e atuais 809 como principal chamariz. Não só isso, como se trata de um Pikachu que fala e tem um jeitão descolado na voz de Ryan Reynolds. Não era só o Meowth e o Mewtwo que falavam? Pois é, responder essa pergunta provavelmente é a compra do ingresso de alguns.
As piadinhas e o teor geral da obra nem de longe tentam apelar para algo sério ou mesmo moderado. “Pokémon: Detective Pikachu” é uma aventura no sentido mais juvenil da palavra, com crianças protagonistas embarcando em algo muito maior do que suas vidas juvenis costumam apresentar, passando por lugares fantásticos, superando perigos e enfrentando grandes oponentes. É como Ash Ketchum saindo de casa para se tornar um Mestre Pokémon: uma missão que o leva a fazer rivais, conhecer novos monstros e enfrentar desafios de todos os tipos. Da mesma forma que existe um antagonismo bobão na forma da Equipe Rocket, que nunca faz nada grave ou vil em sua tentativa de capturar o Pikachu de Ash, os vilões e obstáculos do filme possuem a mesma leveza de não serem tão malvados assim em seus planos supostamente megalomaníacos.
É como o desenho, nenhum problema soa grave o bastante para colocar os heróis numa corrida contra o tempo, como se tivessem algo muito importante a perder. São apenas obstáculos que só faltam dar uma piscadinha para a audiência para garantir que são apenas temporários. Desenhos animados e histórias em quadrinhos antigos transmitem essa mesma sensação de que ao final das 20 páginas ou 20 minutos tudo voltará ao normal. No fundo, a maioria das histórias trabalham sob estes mesmos termos de terminar com um final feliz, logo o que importa mesmo é a jornada, como o meio do caminho faz o espectador desacreditar nessa convenção nem que seja por uns breves instantes de empolgação, temor ou tristeza. “Pokémon: Detective Pikachu” se encontra num patamar em que consegue entreter e até divertir genuinamente em alguns momentos, mas nunca parece fugir de sua sombra. Ser direcionado para o público infantil não é apenas ter certo tom mais leve, é também simplificar o conceito geral da história a uma aventurinha de perigos, mas nem tanto.
Ser notável não faz deste problema algo crítico. “Pokémon: Detective Pikachu” funciona em um nível básico da experiência. Exceto por algumas cenas de sentimentalismo extremo ou má atuação, ele proporciona uma aventura que nunca cai baixo o bastante para ser chamada de ruim e que consegue usar o mundo Pokémon a seu favor completamente. Uma das piores coisas que poderiam acontecer aqui é criar uma história com uma conexão fraca com esse universo. Olhar para a cidade de Ryme é mais ou menos como encontrar a cidade de “Zootopia” pela primeira vez e perceber a simbiose de dois mundos: idéias tipicamente humanas como a arquitetura urbana familiar compartilharem espaço com um pokémon musculoso de quatro braços no meio da rua e outros menores escalando postes e prédios. Ademais, a maior parte das grandes sequências, talvez todas, do longa envolvem alguma criatura específica ou um grupo delas no centro de tudo, uma forma de mostrar as capacidades dos monstros um pouco mais a fundo para além de caracterização do cenário. Não houve tempo para as incontáveis temporadas do anime darem destaque a todos os pokémon e aqui não é diferente. Antes destacar alguns do que nenhum.
Quanto ao aspecto mais divisivo da obra, ver Pokémon de um jeito diferente dos traços bidimensionais do anime e mangá e do 3D cartunizado dos jogos foi algo difícil de engolir num primeiro momento. Passa rápido e logo vem o costume e a apreciação pela conversão dos personagens populares em algo que fica numa boa margem entre o realismo e o cartum. O primeiro extremo faria da maioria das criaturas uma deformação de suas contrapartes reais, como um Ditto ser gel de cabelo rosa com dois olhinhos pretos; o outro ficaria muito destoante dos cenários e dos atores reais, como uma computação gráfica tosca. Pikachu tem pelos como um rato normal, mas de forma alguma se parece com um rato mutante amarelo. Nesse ponto, “Pokémon: Detective Pikachu” não erra. Talvez o enredo também pudesse ser um pouco menos confuso e menos leviano na apresentação de ameaças, mas, bem, o que mais pode-se dizer além de que este é um filme de Pokémon para crianças? Levando em conta o material de base, fazer algo seguro foi a decisão dominante aqui.