Eis o primeiro filme odiado do Universo Cinematográfico Marvel e provavelmente a maior razão pela conotação negativa associada à primeira fase. Com razão, é a primeira vez que uma produção Marvel tem uma recepção pouco calorosa de ambos críticos e fãs, que até hoje costumam lembrar rapidamente de “Thor” como algo que não deu muito certo. Seja por razões relativamente pequenas como a estética e a qualidade da computação gráfica ou por outra bem maiores, resta um sentimento de que a experiência poderia ter sido bem melhor para a apresentação de um personagem tão interessante e importante. Aproveitam apenas um lado do potencial do personagem com capacidade de sobra para agradar em todos os sentidos, algo que outros filmes explorariam melhor.
Thor (Chris Hemsworth) e Loki (Tom Hiddleston) são os dois filhos de Odin (Anthony Hopkins), o todo poderoso soberano do reino de Asgard. O tempo tem passado e a hora de Odin passar o trono para frente se aproxima conforme Thor se sente cada vez mais empolgado e confiante com a idéia de se tornar Rei. No entanto, a cerimônia de coroação é interrompida pela invasão de gigantes de gelo de Jotunheim tentando roubar de volta uma fonte de poder sob a guarda dos asgardianos, o que desperta a ira de Thor e o faz buscar desforra pelos crimes cometidos contra seu reino. Odin discorda de tal ato e, como punição, destitui Thor de seus poderes e o bane para o reino da Terra, onde ele deve reaprender algumas lições antes de sequer pensar em ser rei.
Assim como a maioria, também considerava “Thor” uma das piores experiências do MCU e por isso o interesse de revisitá-lo por entretenimento ou talvez para checar se a opinião se mantém foi nulo por muito tempo. Este caso não soava como um possível erro de julgamento, ao contrário de outros vistos muito tempo antes, por exemplo. Fui inclusive questionado várias vezes sobre o porquê de eu estar perdendo o meu tempo assistindo algo que eu e o resto do mundo já vimos e que nem é bom, pelo menos. Bem, minha surpresa foi ver que “Thor” é melhor do que eu lembrava. Não muito. Qualidades das quais eu nunca me recordaria nem esperaria num filme desses se fazem aparentes e mostram como eram as coisas antes da famosa fórmula existir.
A história é boa, por incrível que pareça. O simples fato de ser uma história de origem díspar dos moldes conhecidos já é uma grande coisa, então não há tempo gasto aprendendo poderes, com exposição de personalidade e passado e universo. Claro, um pouco é sempre necessário para fins de contextualização, mas nada que seja uma parte considerável da estrutura geral da história. O mesmo pode ser dito de um vilão surgindo em certo ponto para testar as habilidades do herói. Nada disso se mostra como item obrigatório e pouco inspirado de uma receita pronta. Não surpreendentemente, vários vilões esquecíveis surgiram nos tais filmes formulares ao passo que aqui se tem não só a introdução de um dos melhores vilões do MCU como também uma participação relevante, para não dizer que ele só brilha em “The Avengers“.
A principal razão para “Thor” funcionar como história é o fato dele fazer como toda boa adaptação: reconhecer a essência da obra ou de um personagem e criar a partir daquilo. Reitero aqui como ambos “Captain America: The First Avenger” e “The Avengers” conseguem fazer isso perfeitamente, de uma forma ou de outra e em maior ou menor grau. O primeiro reconhece que o Capitão América é menos poder bruto e mais determinação, assim como o segundo aproveita o melhor de cada poder diferente nas cenas de ação. A história do Deus do Trovão faz algo parecido no arco do herói e também no de Loki. Na prática, os dois não são entidades separadas, influenciam-se e interagem ao longo do caminho e eventualmente se tornam uma coisa só. Tudo acaba girando em torno de Loki e da tragédia dele ser enganoso por natureza. A competência da manipulação de fatores vai longe e impressiona pela minúcia do planejamento, então surpreendentemente se torna a progenitora da ruína. Alguém que acha ter controle total se vê sobrecarregado pelas consequências, o que pode não soar lá muito genial, porém já é bem mais significativo que um vilão querendo destruir as coisas porque sim.
Outro ponto digno de nota e que nunca deixou de ser associado à memória da obra é a computação gráfica. Lembro de comentar e encontrar comentários frequentes sobre como a Asgard do filme era feia e artificial, muito aquém da expectativa em uma produção tão grande. Mas não seria um caso da tecnologia avançar rápido demais e tornar efeitos recentes obsoletos? Um julgamento injusto? Definitivamente não. A falta de noção e a má administração de recursos se faz muito mais notável; não por falta de dinheiro, é a decisão de se apoiar tanto em efeitos claramente falsos que prejudica tanto a experiência. Até dá para dizer que Asgard não é a parte mais feia, são outros efeitos de naturezas diversas que ferem a vista por sequer tentar esconder que se trata de um efeito especial. Portas mágicas abrindo, monstros gigantes, explosões, o espaço sideral, a ponte Bifrost, trovões e tudo mais são apenas exemplos de coisas que poderiam ser mais simples ou maquiadas e ostentam seu mau gosto cruamente. Esta parte é até pior do que o lembrado.
Mas tudo bem, sabe-se que a história consegue criar detalhes e mais detalhes, amarrar todos juntos coerentemente e até construir um vilão no processo. Do que mais se pode falar? Efeitos especiais podem ser ignorados perto de um enredo forte, não? Isso até pode acontecer às vezes e aconteceria se não fosse realmente difícil de engolir algo que não parece mais desleixo e decisão infeliz do que falta de tecnologia. O segundo pecado crítico de “Thor” é ser um filme de ação com boa história e cinco minutos de ação. Talvez um pouco mais que, de qualquer forma, é insuficiente e rápido demais. O clímax cumpre sua função narrativa e fecha bem um arco iniciado muito antes, então quando chega a hora de finalmente mostrar o que o herói sabe fazer não se encontra nada além de uma luta rápida e simples seguida de outra igualmente decepcionante. Esta última chega no nível de fazer o espectador pensar em quão ridículo é ver um ator usando fantasia rolando pelo chão com outro ator de fantasia, algo que certamente não vai bem com a proposta de criar a ilusão de super-herói. Talvez por vir no final, essas decepções tiveram um gosto ainda mais amargo e mais duradouro que outros méritos da obra.