De todas as coisas que pensava quando lia sobre “Unbreakable”, nenhuma era sobre história de super-herói. Mesmo após ver “Split“, não ficou imediatamente óbvio que era algo do tipo porque, bem, este último tem uma pegada bem diferente e está mais para um suspense com mistério. Pelo menos os quase 20 anos desde o lançamento original mostram que nunca é tarde demais para se surpreender, seja a respeito de algo besta e simples como a premissa ou da própria qualidade. Depois de anos e anos de obras muito criticadas de M. Night Shyamalan, não deixa de ser refrescante encontrar algo bom no passado do diretor. De certa forma, é como encontrar uma coisa nova.
David Dunn (Bruce Willis) é um cara tão normal quanto poderia ser. Esposa, filho, emprego, contas para pagar, problemas em casa. Nada de mais em seu dia-a-dia como segurança em um estádio de beisebol, ganhando um salário básico para manter o filho na escola e ainda tendo de lidar com uma situação mal resolvida com sua esposa Audrey (Robin Wright). Mas tudo muda quando Elijah Price (Samuel L. Jackson) entra na vida de David com uma idéia incomum depois de David ser o único sobrevivente de um acidente terrível de trem. Novas perspectivas são colocadas em jogo e as coisas começam a mudar na vida ordinária do homem.
“Unbreakable” é peculiar, um filme de herói antes mesmo deles serem comuns durante a década de 2000 e ainda mais cedo que a atual moda, quase como um quadrinho de herói fora de qualquer selo popular. Algumas das regras gerais são as mesmas, convenções de gênero e idéias comuns conservadas enquanto todo o resto se porta como, bem, uma história normal. Não se exclama que existem heróis e vilões, poderes e pessoas para salvar como se fossem um padrão a ser esperado pela audiência a qualquer momento. Definitivamente não há motivo para esse tipo de expectativa no começo do enredo nem por um bom tempo e isso é ótimo, mostra o compromisso do roteiro em contar uma história e nada mais do que isso, sem a relativa preguiça de apenas encaixar uma série de eventos em uma estrutura popular. Ao mesmo tempo, composição de quadro e estilização da narrativa visual buscam resgatar a linguagem dos quadrinhos sem nenhuma prostituição do formato no cinema, tentando mais recriar ilustrações com atores do que tentar a retração literal de uma tela dividida em quadros como o “Hulk” de 2003, por exemplo.
Claro, não vou dizer que “Unbreakable” é o avatar da originalidade, essa parte boa trata de tom e de abordagem, de como o roteiro se apresenta para o público. Por isso não saber de praticamente nada da premissa teve um efeito tão peculiar, pois por muito tempo pareceu que era uma história como qualquer outra e em especial quando o longa começa com David viajando de trem flertando com uma moça no trem e tirando a aliança para parecer solteiro. Tais primeiras cenas reforçam o caráter pedestre do enredo, por assim dizer, um drama de casal passando por problemas em casa com muitas palavras não ditas entre eles. No que se poderia pensar quando tudo começa dessa forma? O curioso mesmo é que a maior falha aqui é justamente nas ramificações do lado humano, quando se tenta aprofundar nas relações pessoais entre personagens.
Nestes momentos, as limitações de M. Night Shyamalan como roteirista e diretor ficam gritantes. Falta sentimento e um quê de verdade por trás de demonstrações subitamente intensas de emoção surgindo do nada. É o clássico melodrama, quando as reações e expressões são muito mais intensas do que deveriam ser de acordo com a dinâmica estabelecida anteriormente. Uma cena envolvendo Joseph (Spencer Treat Clark), o filho de David, é o ápice da vergonha no que mais parece produto de novela, tenta ser um clímax do conflito humano resultante da existência de um herói e passa longe disso. Essa cena, ainda que não rivalizada por outras, é o ponto mais baixo de um conjunto risível de tentativas de “Unbreakable” de se humanizar. Talvez seja pensando em falhas como essas que outros ditos blockbusters sequer tentam ser mais do que suas propostas de entreter e divertir sem tocar no quesito da natureza humana.
Outros momentos não chegam a ser ruins, apenas parecem estranhos pela forma como são dirigidos. Há uma cena pouco antes do clímax, por exemplo, que parece muito com final de filme e deixa uma sensação de quase decepção, de ficar incrédulo que ele realmente estaria terminando naquele ponto depois de tudo. Felizmente, é só um caso passageiro de direção confusa e eventualmente “Unbreakable” chega nos dois momentos definitivos, relativamente, de sua experiência: quando todas as promessas, sugestões e pistas culminam na realização da ação; e, claro, a grande virada clássica de M. Night Shyamalan. Até se pode criticar um pouco o primeiro aspecto porque ele é modesto e contido, pequeno por natureza assim como o resto da trama; pelo menos é coerente com o teor geral da obra de não almejar coisas gigantescas e cenas bombásticas, mas pode acabar não impressionando. Sobre a segunda parte, é um exemplo bom e funcional do famoso artifício do diretor. Seria perfeito e totalmente inesperado se não fosse uma pista pouco sutil logo antes do grande momento.
“Unbreakable” tem um quê de originalidade nem sempre visto no subgênero de super-heróis; bem raramente, na verdade. O mais próximo dele em termos de obras populares seria “The Crow”, “The Spirit”, “Hancock”, “The Green Hornet” e até “Hellboy”. Então o que um meio-demônio, um justiceiro atrapalhado, um herói descuidado e uma pessoa ressuscitada vingativa têm a ver com essa? Bem, quase nada em termos de conteúdo. A semelhança é na forma como elas funcionam no geral, abordam os mesmos conceitos sem exclamarem: “história de origem sobre como uma pessoa comum ganha seus poderes extraordinários, aprende a usá-los e tem de colocá-los a prova quando um vilão inesperadamente surge”. O interessante é que “Unbreakable” antecipa a maioria dessas e várias outras obras em anos, talvez sendo um precursor da onda que se fortaleceu com o tempo e até hoje aproveita um sucesso quase garantido com cada novo lançamento. Quem dera se mais obras fossem que nem essa, mais como histórias desligadas das convenções de sempre.