Holt Farrier (Colin Farrell) retorna da guerra depois de anos sem ver suas famílias. Uma delas é a de sangue junto de seus dois filhos, a outra junta todos os três em uma grande família do Circo dos Irmãos Medici. A sereia, o homem forte, os palhaços, os domadores de animais e todo o resto convivem diariamente, viajam pelo país e apresentam seus atos buscando despertar maravilha em crianças e adultos, qualquer um com gosto pelo entretenimento. Mas um dia acontece algo ainda mais estranho do que de costume entre tantos indivíduos peculiares: nasce um bebê elefante com orelhas inexplicavelmente enormes. Parece mais uma aberração de circo, porém o elefantinho Dumbo se mostra mais do que aparenta quando inexplicavelmente mostra que sabe voar.
O original já está tão no fundo da memória que mal pode ser considerado em valor de comparação. Talvez uma assistida em VHS quando outros desenhos da Disney já estavam locados ou alguma exibição perdida na televisão, tudo há mais tempo do que é possível lembrar. Poucas imagens pouco confiáveis restam para sugerir que a reimaginação de Tim Burton no mínimo segue nos mesmos passos de antes, até porque é difícil de acreditar que a Disney permitiria que um de seus clássicos fosse sujeito de uma transformação muito brusca. “Dumbo” transmite o sentimento de que quaisquer expansão e adição feitas tiveram boas intenções em mente, ou seja, agregar positivamente ao passado usando alguns moldes pré-estabelecidos. Um novo protagonista humano dividindo palco com o elefante, uma trupe de artistas de circo, um vilão e novos temas na história.
O tema principal é facilmente reconhecível por conta do histórico do diretor: pessoas ditas esquisitas sem lugar na sociedade buscando conforto através da união com outros similares. O trabalho mais recente de Burton, “Miss Peregrine’s Home for Peculiar Children“, traz exatamente isso, então o elefante de orelhas gigantes é apenas uma representação do mesmo conceito em forma de animal. Qual o melhor lugar para uma suposta aberração da natureza que um circo de mulheres sereias, barbadas, tatuadas e homens com maquiagem caricata e sapatos enormes? Assim, logo se vê que “Dumbo” está em casa nas mãos de um diretor com experiência no tema, o qual gira em torno da descoberta de qualidades genuínas e únicas por trás de aparências pouco elegantes. É o famoso “Quem vê cara, não vê coração” em uma escala maior e menos simples complementada com uma considerável dose de entretenimento.
“Dumbo” faz o que tem de fazer. Sua tarefa básica de executar o tema central é executada de forma que se compreenda não só que existe valor por detrás de uma imagem mas também que esse valor pode ser divertido e carismático como o próprio animalzinho. Colin Farrell e Eva Green são figuras proeminentes na trama e ao mesmo tempo coadjuvantes do astro principal do espetáculo, afinal seria um erro fazer dessa uma história humana quando o título se refere a outra coisa. A representação do elefante orelhudo acerta onde deveria e resulta em um retrato não tão fofinho e colorido quanto antes, mas tão carismático quando deveria ser para despertar o carinho do espectador. Talvez até um pouco relacionável demais em seu comportamento inteligente e antropomórfico em alguns momentos. Curiosamente, um elefante entender tão bem humanos soa menos esquisito que vê-lo voando.
Quanto aos visuais, eles são de longe a melhor parte da experiência por trazer o mesmo tipo de transformação visual que impressionou tanto em “The Jungle Book” e “Beauty and the Beast“, por exemplo. As cores vivas e variadas não se encontram como antes, dando lugar a tons mais sóbrios e palhetas estilizadas combinando a escuridão com o mais claro e o mais colorido. De momentos dominados pelo sépia, os quais criam a atmosfera típica de um entretenimento de velha guarda, a outros em que as luzes gritam e rasgam o escuro com holofotes e lâmpadas coloridas, “Dumbo” certamente não erra na representação visual de sua história. Não é só o elefante que tem uma cara de bonzinho, todo o resto ao seu redor brilha para dar um pouco mais de vida a personagens como a trapezista de Eva Green e seus números reluzentes e chamativos. Já é algo a se considerar quando o roteiro deixa um pouco a desejar no desenvolvimento narrativo de muitos dos personagens.
Mas “Dumbo” não está livre de seus próprios problemas. Expandir o conto significa também dar a cada personagem um pouco de história e personalidade, coisas que aconteceram em seus passados e mostram reflexos no presente da trama. A relação com os filhos é o núcleo do arco de Holt Farrier, o qual gira em torno de seu estranhamento com eles e falta de contato por conta de todos os anos que ficou longe por causa da guerra. Ele volta e não sabe direito como lidar com as crianças da forma que a falecida mãe fazia, criando uma distância entre eles no lugar de uma união fortalecida pela saudade. Não dá para dizer que é uma idéia inerentemente ruim, apenas quando ela é posta em prática na forma de um melodrama raso. O assunto da mãe falecida não deveria ser fácil para crianças lidar e, mesmo assim, é trazido à tona como se fosse um argumento qualquer sempre que um conflito surge. Um assunto delicado é empobrecido e seu impacto, praticamente nulo.
Ao menos não se chega em outro clichê que dá vários sinais e felizmente não acontece, um romance que seria gratuito e cairia de pára-quedas se de fato viesse a se concretizar. “Dumbo” se restringe nesse aspecto e deixa passar a oportunidade de introduzir outro arco pouco desenvolvido na expansão para quase duas vezes a duração da história original. O resultado geral é positivo e agradável, mantendo até o momento um nível de qualidade mais ou menos estável entre as recentes refilmagens das animações usando atores reais. Tirando alguns pontos em que o roteiro é claramente desleixado em alguns arcos, ficando contente com o básico do básico, a obra expande e consegue extrair bastante conteúdo de uma história essencialmente sobre um elefante voador.