“Captain Marvel” acompanha a origem da heroína Carol Danvers (Brie Larson). Também conhecida como Vers pelos seus parceiros de equipe, ela faz parte de um esquadrão especial do povo Kree e sua missão é encontrar e impedir dissidentes da raça Skrull de se infiltrarem e dominarem planetas inteiros. Como o inimigo pode assumir a forma de qualquer ser, a atenção deve ser redobrada a todo tempo para evitar problemas inesperados. Mesmo assim, Carol acaba caindo nas mãos do inimigo e depois no Planeta Terra, um lugar que lhe parece muito familiar, mas que sua amnésia não permite saber o porquê. Buscando os Skrulls que aterrissaram junto com ela, ela passa a lembrar mais de sua vida passada ao mesmo tempo que descobre suas capacidades e poderes.
Não há muito a dizer da história além disso. Certamente não porque essa é uma premissa espetacularmente escrita e bem detalhada, mas porque “Captain Marvel” é direto ao ponto no que trata de sua trama. Se o espectador vem acompanhando o Universo Cinematográfico Marvel há algum tempo, identificará o formato básico da história de origem com a protagonista iniciando a história sem poderes e aos poucos descobrindo tudo o que pode fazer a tempo de um clímax explosivo. E não há nada de errado com isso. Não seria a primeira ou segunda vez que a Marvel segue fórmulas em uma estréia de personagem, muito provavelmente para evitar que a primeira impressão causada pelo herói — ou heroína, nesse caso — seja negativa e atrapalhe outros filmes em que apareça. Vale dizer que essa familiaridade está apenas nas entrelinhas da estrutura narrativa, não quer dizer que idéias específicas ou que a própria protagonista é similar a algo que veio antes.
Depois de “Pantera Negra” ser aclamado por muito mais que seus méritos artísticos, as coisas mudaram um pouco. O longa chamou a atenção inicialmente pela crítica, depois pelo impacto cultural de um super-herói negro protagonizando seu próprio filme e o que essa representatividade étnica significou para uma parcela da população, então vieram as curiosas indicações ao Oscar e três vitórias ainda mais curiosas. “Captain Marvel” seguiu um caminho parecido, ainda que autoconsciente de seu possível impacto social, ao centrar sua publicidade no protagonismo feminino de Brie Larson. Considerando a repercussão e o alvoroço dessa manobra, houve certo medo da obra forçar a mão na transmissão de uma mensagem social muito explícita e pouco sutil. Bem, não há por que se preocupar com isso porque ela não se entrega ao que se chama de lacração. A não ser que protagonistas femininas estejam sendo consideradas novidades no cinema, não há nada incomum tirando uma piadinha ou outra.
Comparando com “Wonder Woman“, outro filme de herói com protagonista feminina, “Captain Marvel” até toma algumas decisões bem mais interessantes a respeito de clichês. O criticado último ato do primeiro é praguejado pela clássica cena de sacrifício aliada a um sentimentalismo que nasceu da necessidade de um par romântico. Aqui não existe isso. Não porque Carol Danvers é boa demais para entrar em relacionamentos ou porque ela é auto-suficiente e poderosa e não precisa de homens em sua vida, nada disso. A história nunca chega a abordar esse mérito diretamente, apenas escolhe não colocar um interesse romântico no meio da história e se poupa de um erro similar ao do filme de Diana Prince. No lugar disso, são exploradas outras relações: antagonismo, amizade, parceria improvável, entre outras. É até curioso que a melhor parte da obra não seja a ação, mas este lado envolvendo os coadjuvantes.
Samuel L. Jackson encarna uma versão mais jovem, bem humorada e com visão periférica de Nick Fury, um agente da S.H.I.E.L.D. ainda sem renome e prestígio. E, não, não mudam a personalidade do personagem por simples conveniência. Além do fato da história se passar mais ou menos 20 anos antes da cronologia presente, as piadas são leves e estão mais para comentários bem colocados em situações correntes, nada muito exagerado. Um pouco diferente na execução e ainda sob a mesma filosofia de não ser um alívio cômico explícito, Ben Mendelsohn também ajuda a construir esse jeito diferente de comédia. Ou melhor dizendo, são ferramentas essencial na condensação do humor de “Captain Marvel” e uma forma diferente de dar um toque de comédia sem recorrer às piadinhas de sempre. Os personagens acabam sendo melhor trabalhados e elevados de um patamar meramente funcional dentro da trama, ainda que não chegue a constituir desenvolvimento de personagem. Ao menos os coadjuvantes têm participações mais relevantes do que de costume.
Outra mudança para melhor é abrir mão do conceito de um antagonista específico, um vilão poderoso que quer a mesma coisa que o herói ou apenas destruí-lo. A Marvel nunca foi muito boa nesse quesito e tem um rol farto de vilões esquecíveis, sem personalidade e rasos, portanto é de se comemorar que as coisas sejam um tanto diferentes aqui. Difícil dizer que o vilão deste filme é bom porque, bem, não há um antagonista bem definido. O melhor jeito que se pode falar do assunto é dizer que “Captain Marvel” trabalha bem o conceito e traz algumas surpresas com uma interessante reviravolta no meio do caminho, enquanto o mais próximo que se chega de um vilão também não deixa a desejar.
Nada disso quer dizer que a ação de “Captain Marvel” seja ruim, como se essa parte positiva dos personagens atrapalhasse de alguma forma. Ela é satisfatória e não depende dos mesmos truques o tempo todo, sem que seja sempre a mesma rotina e chama a atenção pela variedade de situações. Os problemas surgem no tratamento da própria protagonista. Quanto a Brie Larson, sua performance é sólida e até um tanto diferenciada por conta da apatia causada pela amnésia e pela repressão de sentimentos incentivada pelos Kree. De um lado, é curioso e até cômico como ela reage peculiarmente a situações que normalmente despertariam outras reações. Em contrapartida, essa mesma dinâmica de reprimir sentimentos é manuseada com pouca inspiração; principalmente pelo jeito como a história caracteriza o lado Kree e o lado humano dela, um puxando para os sentimentos e o outro para a racionalidade e por aí vai.
Não demora muito para ver qual conclusão será atingida e, sem surpresa, ela acontece de um jeito ainda mais piegas do que esperado. No fundo, “Captain Marvel” não é exatamente cheio de surpresas. Mesmo com suas qualidades e diferenciais a serem encontrados em vários pontos, permanece um ar de que já se conhece tudo aquilo. Mas o pior não é isso, a sensação mais marcante é que esta é apenas uma parte secundária de um universo de atrativos melhores, parece que este é um filme particularmente esquecível. De qualquer forma, isso não quer dizer que ele seja incompetente. Permanece uma experiência sólida, que consegue cumprir sua proposta de introduzir uma personagem provavelmente importante no futuro do Universo Marvel.